Danielle Corrêa
A promulgação da Constituição Federal de 1988 trouxe inovações no que diz respeito aos direitos fundamentais; entretanto, a sua redação deixou bem claro que o casamento e a união estável seriam possíveis apenas entre homem e mulher, ou seja, em um relacionamento heterossexual, para procriação. Muitas pessoas foram consultadas e grupos de interesse estiveram presentes no Congresso Nacional para colaborar na elaboração da lei. Obviamente, os termos que dariam forma ao documento – em algum nível – tornaram-se objeto de disputa, o que acabou por fixar que alguns dos direitos civis expressos seriam apenas para casais heteronormativos.
Contudo, há um pequeno porém: se pararmos para analisar a fundo o texto constitucional, veremos que, ao mesmo tempo em que havia essa proibição, há por parte da lei uma certa proteção à igualdade entre homens e mulheres. Um pouco contraditório, ainda mais levando em conta que pelo menos 10% da população brasileira é formada pela comunidade LGBTQIAP+ – Lésbicas, Gays, Bi, Trans, Queer/Questionando, Intersexo, Assexuais/Arromânticas/Agênero, Pan/Poli, e mais.
Esse cenário somente começou a ser alterado a partir do ano de 2011, através de uma decisão do Supremo Tribunal Federal, que foi provocado pela população para responder a uma ação judicial e nela entendeu que a expressão casamento entre “homem e mulher” seria discriminatória. Visando consagrar o acesso aos Direitos Humanos Fundamentais pautados no afeto, na ocasião, os ministros do Supremo Tribunal Federal reconheceram o direito da união contínua, pública e duradoura entre pessoas do mesmo sexo como “entidade familiar” equiparando, portanto, direitos e deveres legais constantes em uma união de pessoas, indiferente do sexo. A constituição da família deixou de ser pensada para procriação e se concentrou na troca de afeto e amor.
Ressalta-se que ao lançar essa decisão, o STF entendeu que todos os efeitos e reflexos do casamento e da união estável entre casais heterossexuais, como direito de adoção, de herança, de pensão alimentícia, de ser beneficiário do plano de saúde, enfim, os inúmeros outros direitos garantidos, deverão ser reconhecidos pelo Estado aos casais homossexuais. Ou seja, todos os direitos e deveres que vêm de uma relação de afeto e de amor, a partir de então, são equiparados à norma constitucional, não importando a opção sexual ou gênero daquele que deseje ter uma relação séria e oficializada.
Esse posicionamento foi um marco na vida de muitos e, principalmente, na evolução da sociedade. Entretanto, alguns casais homossexuais tiveram conflitos ao formalizar o casamento homoafetivo. Por um bom tempo, era bem simples impedir pessoas de usufruir desses direitos, na prática. Inclusive, havia várias denúncias de casais que procuravam cartórios e tinham esse direito negado, pois naquele local se entendia que, por não estar previsto na lei e haver apenas um pronunciamento do STF, os cartórios não seriam obrigados a formalizar o casamento ou a união estável.
Com foco em resolver esse problema e proteger essa comunidade, o Conselho Nacional de Justiça editou a Resolução nº 175 no ano de 2013 para dar amparo real à efetivação da união amorosa entre esses casais. Essa resolução, basicamente, veio para firmar que o tabelião, funcionário público responsável pelo cartório, não pode se negar a registrar o casamento, ou união estável de pessoas do mesmo gênero ou sexo. É um direito e o cartório é obrigado a oficializar o ato de casamento ou união estável entre pessoas do mesmo sexo.
Agora sim, um verdadeiro ganho para a sociedade globalizada, que vive uma pluralidade de relações e que deve respeitar todas as formas de amor. O que podemos concluir é que, hoje, você que vive uma relação homoafetiva, está enfim resguardado por uma tranquilidade, além de poder se casar e ter uma união estável como qualquer pessoa, terá todos os direitos reflexos de uma relação heterossexual; poderá adotar, ter filhos, ter herança e inclusive se separar.
Infelizmente, ainda há muito o que evoluir em outros níveis da sociedade. De acordo com a pesquisa nacional Diversidade Sexual e Homofobia no Brasil, 53% dos gays, lésbicas e bissexuais assumidos já se sentiram discriminados por sua orientação sexual. Entretanto, alguns passos estão sendo dados, pelo menos no Direito. Você que está aí, vivendo uma relação nesses moldes e está pensando em dar o próximo passo, pode planejar oficializar o amor de vocês sem medo algum de ser feliz, todos os seus direitos estarão amparados.
Danielle Corrêa é advogada desde 2007, com pós-graduação em Direito de Família e Sucessões. É membro da OAB-SP e do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM)