José Renato Nalini
Em tese, o ser humano é um animal gregário. Não consegue viver só. Ao buscar companhia, identifica afinidades em pessoas que vai colecionar mediante a aposição de uma espécie de carimbo: amigo!
O que é um amigo? Há um conto clássico de Oscar Wilde, a retratar a “amizade” entre um jardineiro e um moleiro. Este invocava a circunstância de ser o melhor amigo do jardineiro e o explorava continuamente. Até que chegou o inverno e o pobre jovem que cultivava o jardim não possuía estufa. Acabou morrendo. Até depois da morte, o moleiro ainda se considerava o único amigo da vítima.
A indagação que se faz é se há deveres em relação aos amigos. Não se cuida de conceito de justiça comutativa. Alguém que quer ser um bom amigo de alguém, deve querer o bem desse alguém.
Para responder à indagação – Por que devo respeitar o bem do meu amigo? – a filosofia desenvolveu três linhas de resposta. A primeira é a utilitarista. É evidente que é útil procurar a maior felicidade para o maior número de pessoas. Dentre estas,
meu amigo e eu.
Todavia, o princípio da utilidade ou da melhor felicidade não deixa de ser uma fórmula linguística. Não tem significado racional, mas parece indicar uma confortável norma de comportamento.
A segunda linha não é mais convincente. Aduz que devo ser justo e procurar o bem do meu amigo, para minha própria satisfação. Satisfarei ao meu amor-próprio, considerando-me uma pessoa boa, de bons princípios.
Já a terceira apela para a transcendência. O ser racional foi criado e sua permanência neste planeta é transitória. Merecerá destino posterior, compatível com o que fizer durante as poucas décadas que esta vida frágil e curta que lhe foi dada. A regra de ouro é conhecida: não fazer aos outros o que não gostaria que fizessem a você. O paroxismo está no “amar ao próximo como a si mesmo”.
Algum próximo é amorável. Mas não é atributo da maior parte daqueles com os quais convivemos. Na verdade, há pessoas que parecem existir para nos santificar, ou seja, são desagradáveis, interesseiras, até cruéis. Impossível devotar a estas, aquele sentimento espontâneo que se nutre em relação aos “pássaros de igual plumagem”.
Ninguém desconhece o preceito judaico-cristão. Mas segui-lo não é fácil. Há quem o considere de inviável observância. As relações contemporâneas são superficiais, alicerçadas no interesse. Aproximo-me de quem me possa propiciar alguma vantagem, algo que considero bom. Afasto-me quando já não posso esperar que a relação me sirva.
Amizade mesmo, é algo cada dia mais rara. Um fenômeno que existiu em larga escala, ainda existe em alguns nichos, mas não é material abundante numa sociedade narcisista, egoísta, imediatista e interesseira.
Se você é um afortunado que pode contar com ao menos um amigo, considere-se um privilegiado. Como diz Milton Nascimento, “amigo é coisa pra se guardar a sete chaves, no lado esquerdo do peito”…
José Renato Nalini é professor e presidente da Academia Paulista de Letras