José Renato Nalini
O Estado é a sociedade política de fins gerais, que permite, no ambiente de sua abrangência, a subsistência de outras sociedades de fins particulares e de autonomias individuais.
Nunca se concebeu o Estado como finalidade. Ele sempre foi meio, instrumento para tornar o convívio mais viável. Nas formulações mais otimistas, ancoradas na presunção de que o ser humano é substância perfectível, a cada dia melhor do que a véspera, chegaria um tempo em que o Estado se tornaria despiciendo. A humanidade estaria tão impregnada de bom senso, de tolerância, de respeito à diversidade, que não haveria necessidade de prisões, nem de polícia, nem de justiça, nem de qualquer outro equipamento de segurança.
Tal visão idílica parte da formulação de Rousseau de uma sociedade formada por seres naturalmente bons, que são corrompidos pela convivência. Em sentido contrário, Hobbes enxerga o homem como “lobo do homem”. É válido o sacrifício da liberdade em prol da construção de um Estado forte, autoritário, opressor, mas que garanta a ordem. Sem a qual, seria a “luta de todos contra todos”.
Uma visão anarco-capitalista chegou a ser esboçada recentemente. Menos Estado, mais participação dos indivíduos na gestão da coisa de interesse comum. Há quem diga que ela sofreu retrocesso com a chegada da Covid19. Estaria nitidamente comprovada a urgência de um Estado forte, que respondesse à altura aos desafios postos pela peste.
Não parece que o Estado esteja à altura do repto. Um Estado que fica absorto nas discussões eleiçoeiras, que mantém Fundo Eleitoral e Partidário, que faz eleições convencionais, perigosas na fase de crescente contaminação, não é o ser onipotente que atenderia às aspirações destes seres frágeis, efêmeros e inseguros que são os da espécie humana.
O que falta ao Brasil é uma educação consistente e de qualidade. Que habilite qualquer pessoa a crescer em autonomia, em assumir riscos, em aceitar que não há só direitos, infinitos e fictos, se não houver recursos materiais para atendê-los.
O mundo precisa de uma humanidade mais sensível, mais tolerante, mais disposta a encarar deveres e responsabilidades. Continuo a pensar que, quanto menos Estado, melhor para o penumbroso futuro da espécie que se autodenomina a única “racional”.
José Renato Nalini é professor, reitor universitário e presidente da Academia Paulista de Letras
