Flávio Crepaldi
Parece um tempo remoto em que os navios cruzavam os oceanos com centenas de seres humanos destinados à escravidão, para serem vendidos como mercadorias. Mas será que isso não ocorre mais? Infelizmente, o Relatório Global sobre Tráfico de Pessoas da ONU denuncia: o deslocamento de seres humanos para fins de exploração sexual, trabalho escravo e venda de órgãos continua crescendo há mais de uma década.
O principal oceano agora é a internet e muitos são pescados e enganados (phishing) por anúncios de empregos com salários altos e sem exigências de qualificações. Outros são ativamente caçados (hunting) através das redes sociais, a partir de perfis que se enquadrem exatamente no tipo de “mercadoria” buscado para a exploração sexual (maioria de mulheres e meninas) ou para trabalhos forçados (principalmente os homens e meninos).
Mesmo entre profissionais altamente qualificados, dependendo das regras do país e da região do planeta a que se destinam, grandes ofertas podem se tornar verdadeiras armadilhas, como por exemplo: altos ressarcimentos com “vistos” e “emolumentos” gastos pela empresa na contratação; a pressão para se adquirir, através de financiamento, bens de alto valor; e a posterior exigência de modificação do contrato de trabalho para salários inferiores. Tudo isso sob o risco de demissão se não aceitar os novos valores, e de prisão, caso torne-se inadimplente, onde a falta de pagamento se reverte automaticamente em encarceramento, não havendo liberdade de decisão.
O primeiro passo para se combater situações tão infames é a informação. No Brasil, a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) tem uma comissão para enfrentamento ao tráfico humano que, no biênio de 2022 e 2023, estará focada na orientação sobre o problema através da formação e do diálogo. Iniciativas como essa precisam ser apoiadas localmente por toda a sociedade. Afinal, os dados recolhidos pela ONU em 148 países mostram que a maioria das vítimas é traficada para áreas geograficamente próximas de onde estavam.
Assim, situações de trabalhos precários e acomodações suspeitas precisam ser denunciadas tanto na zona rural quanto na cidade. Boates, clubes, hotéis ou “casas” com ligações com a prostituição precisam ser fiscalizadas. O tráfico humano se utiliza de várias redes subterrâneas (e, em alguns lugares, na própria superfície) que precisam ser desmanteladas, pois submetem pessoas em situação de extrema vulnerabilidade social. O empobrecimento, a fome, a falta de perspectiva de emprego e de melhores condições de vida são os grandes facilitadores para a incidência do tráfico humano e o aumento da violência.
Nesta era de globalização, o olhar local, a responsabilidade e o suporte às nossas próprias comunidades têm que ser um compromisso assumido por cada um de nós. Não só o de fiscalização e denúncia, mas também de promoção social e com a dignidade humana, aqui, onde estamos.
Por isso, busque informar-se sobre a existência de alguma associação no seu clube, na sua igreja, no seu bairro, ou ligada à escola do seu filho, que promova a distribuição de cestas básicas. Entidades que ajudem na reforma das casas de famílias mais carentes. Que dê suporte a moradores de rua, que sustente casas de recuperação de dependentes químicos. Mãos à obra! É hora de fazer com que o local, a cidade em que você vive, seja um pouco melhor.
É digno de reconhecimento aquele que coloca a mão na consciência e vê que pode ser parte da solução do problema. Melhores ainda são aqueles que movimentam a mão da consciência para o bolso e investem em soluções práticas que beneficiem aos que ele conhece e, até mesmo, aos que ignora.
Flávio Crepaldi é colaborador da Fundação João Paulo II/Canção Nova