Início Opinião Assistência Social não é vergonha, é dever do Estado

Assistência Social não é vergonha, é dever do Estado

0

Danielle Corrêa

A Assistência Social vem sendo tratada como sinônimo de assistencialismo e caridade, o que de fato, não é. A caridade é uma atitude pessoal de troca, que se estabelece de um indivíduo para com outro, como num ato de benevolência, e envolve necessariamente afeto e amor ao próximo, enquanto a Assistência Social está intimamente ligada à lei, através do Art. 203 da Constituição Federal, formando conjuntamente com o direito à saúde e à previdência, o tripé que sustenta a Seguridade Social brasileira.
A Assistência, por si, nada mais é do que uma política pública de proteção social que visa proteger os membros deste país de situações de vulnerabilidade e risco social. A vulnerabilidade poderá ser compreendida como a fragilidade que o indivíduo ou seus familiares possuem na ausência de renda, seja pelo desemprego, pela falta de acesso aos serviços públicos e até mesmo pela fragilização dos vínculos fraternos e de pertencimento social na comunidade em que vivem.
Já o risco social ultrapassa o que se subentende por vulnerabilidade e está presente quando o indivíduo ou sua família estão na iminência da exposição à violência física, psicológica ou sexual, quando manifesto o abandono, a negligência, a submissão de crianças e adolescentes ao trabalho infantil, o cometimento por parte desses menores de ato infracional ou a vivência de pessoas em situação de rua.
Além das situações descritas, a proteção promovida pela Assistência Social se estende  à comunidade e seus trabalhadores nas situações de contingências por calamidade pública e de emergência, como é o caso da Covid-19, que ainda estamos enfrentando. Muitas pessoas que não estavam em situação de vulnerabilidade ou risco social passaram a necessitar de auxílio nesta pandemia, seja porque perderam sua renda ou por serem autônomas e terem seus rendimentos reduzidos.
Para dar um relativo suporte, o governo criou o programa de renda chamado de Auxílio Emergencial, que beneficiou mais de 39,1 milhões de famílias brasileiras. A ação foi encerrada no final do ano passado; no entanto, o poder público optou por não desamparar aqueles que ainda estavam em dificuldades financeiras devido à pandemia, e assim deu espaço para a criação do novo programa “Auxílio Brasil”, que substituiu o antigo Bolsa Família – principal programa disponível até então – e veio para apoiar as famílias em situação de pobreza.
Vale a pena destacarmos outros programas assistenciais oferecidos pelo governo, como o Benefício de Prestação Continuada (BPC), que garante o recebimento de um salário mínimo mensal ao idoso com 65 anos ou mais e à pessoa com deficiência que comprovar não possuir meios de prover o seu sustento ou o da sua família; o Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (PETI), que além de assegurar a transferência de renda às famílias, oferece a inclusão de crianças e jovens em serviços de orientação e de acompanhamento; o Programa de Tarifa Social de Energia Elétrica, o qual libera uma espécie de desconto na fatura, para pessoas de baixa renda; o Garantia-Safra, voltado aos trabalhadores rurais, como ação do Pronaf e possui como beneficiários os agricultores que têm renda familiar mensal de, no máximo, um salário mínimo e meio e que plantam entre 0,6 e 5 hectares de feijão, milho, arroz, mandioca e algodão; e o Seguro Defeso, que é uma assistência financeira temporária concedida aos pescadores profissionais artesanais que, durante o período têm que paralisar a atividade para preservação da espécie e sustentabilidade da atividade pesqueira, dentre tantos outros que podem ser citados.
Fazer uso de um ou de algum desses programas não é vergonha alguma, ser provido pelo amparo social ultrapassa tais circunstâncias. É importante esclarecer que a Assistência Social age transversalmente com as outras políticas públicas e que você não irá encontrar diretamente no Creas ou no Cras da sua cidade, por exemplo, o material escolar para os seus filhos ou a vacina contra qualquer doença. No entanto, com certeza, você vai encontrar nos serviços de Assistência Social todas as informações sobre onde buscar tais serviços dentro das outras políticas públicas – o material escolar, por exemplo, está ligado à política de educação; a vacinação, por sua vez, faz conexão com a política pública da saúde – e também, claro, vai se deparar com os diversos serviços próprios da Assistência Social.
Nesse viés, é importante mencionar que a Assistência Social não se trata apenas do meio que possibilita a população a ter acesso a recursos como materiais, cestas básicas ou benefícios emergenciais de transferência de renda. Muito pelo contrário, ela é muito mais do que isso e envolve uma força tarefa disposta a auxiliar e ajudar no bem-estar e reestruturação de famílias e indivíduos em fragilidade, disponibilizando serviços e atendimentos de qualidade a todos.
A Assistência Social deve fornecer através de uma rede de programas internos adequados o fortalecimento não só dos problemas financeiros, mas também e principalmente aos ligados às questões emocionais e psicológicas auxiliando as pessoas em sofrimento psíquico, seja isso apoiando a rede de enfrentamento à violência contra a mulher, na luta contra o câncer, contra dependências, compulsões, vícios, no amparo à depressão ou qualquer outro problema que desequilibre o indivíduo.
Saiba por fim que o poder público tem a primazia para a condução das ações de Assistência Social e é dever do Estado promovê-la a todos. Portanto, não se envergonhe, nem sequer ridicularize quem faz uso desse serviço, porque o único ridículo da história poderá ser aquele que não vê com clareza a essencialidade deste serviço que faz a diferença na vida de milhões de pessoas diariamente.

Danielle Corrêa é advogada desde 2007, com pós-graduação em Direito de Família e Sucessões. É também membro da OAB-SP e do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM)

Sair da versão mobile