Ricardo Lazzari Mendes
Considerado um dos menos atrativos na infraestrutura, o setor de saneamento passa por uma profunda mudança de paradigma com a aprovação da Lei 14.026/2020. Nesses primeiros anos em vigor do novo marco legal do saneamento, foram anunciados mais de R$ 42 bilhões de investimentos por meio de leilões e a agenda ambiental urbana entrou em evidência.
O setor de saneamento tem uma complexidade própria, distinta de outras áreas de infraestrutura. As demandas diferem de um município para outro, mesmo vizinhos, e estabelecer um regramento que organize o sistema, sem colocar uma “camisa-de-força” que impeça a atração de investimentos, é um dos desafios que o setor tem pela frente.
A nova lei trouxe os pilares para balizar o caminho a ser percorrido para a estruturação do saneamento no país, como a definição de regras que estabeleçam padrão de qualidade, de eficiência na prestação, regulação tarifária e governança. Governos e empresas devem ficar atentos para as diretrizes regulatórias, e as agências regionais precisarão de referências sobre a adequada prestação dos serviços para o alcance das metas e para cumprir seu papel de fiscalização.
Mesmo com os investimentos já anunciados, a regulamentação vai cumprir um papel importante para reduzir os impasses e a insegurança jurídica com futuros questionamentos. Nesse quesito, cabe à Agência Nacional das Águas e Saneamento Básico (ANA) estabelecer as normas de referência para regrar sobre o regime, a estrutura e os parâmetros da cobrança pela prestação do serviço público de manejo de resíduos sólidos urbanos. Compete ainda à agência definir os procedimentos e prazos de fixação, reajuste e revisões tarifárias. Essa agenda é extensa e a agência corre contra o tempo para dar conta dessa importante demanda.
O país conta hoje com 74 agências regulatórias e o número deve crescer com o avanço do saneamento. Por isso, as normas de referência contribuirão para uniformizar modelos para serem seguidos pelos órgãos estaduais, municipais e consorciados. Outro ponto importante em discussão é a metodologia para indenização dos ativos não amortizados, que promete suscitar um amplo debate e é fundamental para reduzir eventuais inseguranças jurídicas para o setor.
A organização do saneamento é fundamental para a atração de investimentos, o cumprimento das metas estabelecidas no novo marco de universalização do abastecimento de água e o atendimento de 90% da população no esgotamento sanitário. A regionalização foi um dos importantes pilares estabelecidos pelo novo marco legal, contribuindo para redesenhar a política de saneamento por meio da gestão associada, que permite a associação voluntária entre os entes federativos, por meio de consórcio público ou convênio de cooperação.
A prestação integrada de serviços de municípios resgata uma demanda apontada desde o Plano Nacional de Saneamento (Planasa) no início dos anos de 1970, que se traduz pelo alcance do subsídio cruzado, seja por cidades de uma mesma região, bacia hidrográfica, região administrativa ou mesmo dentro do Estado. O modelo abre a possibilidade de ampliar a escala com prestação de serviço e construção de empreendimentos, reunindo essas localidades. O resultado é o aumento da produtividade das prestadoras de serviços, abrindo a possibilidade de que operadores ineficientes, como empresas estaduais deficitárias e municípios de pequeno porte economicamente inviáveis, conquistem padrões dos operadores eficientes.
Com a organização do setor, aumenta a perspectiva de crescimento da participação da iniciativa privada em empreendimentos de saneamento. Esse é um panorama que já se desenha e deve ganhar força nos próximos anos.
Os investimentos em saneamento devem ainda promover a criação de empregos e oportunidades de negócios, com impactos no crescimento econômico do país. Estudos preliminares do BNDES, baseados em projetos estruturados pelo banco e licitados recentemente, estimam R$ 11 bilhões de encomendas para a indústria.
O avanço do saneamento também permite ao país percorrer um importante caminho para o cumprimento dos ODS (Objetivos de Desenvolvimento Sustentável) da ONU (Organização das Nações Unidas), garantindo a todos, independentemente da condição social, econômica e cultural, acesso à água e ao esgotamento sanitário.
Este é um momento histórico para o Brasil alcançar os mesmos padrões das nações desenvolvidas e garantir a uma parcela significativa da população melhores condições de vida, com reflexos diretos na saúde e no bem-estar de milhares de brasileiros de Norte a Sul do país, bem como contribuir para o avanço de importantes áreas, como o turismo. Certamente, o saneamento faz toda a diferença.
Ricardo Lazzari Mendes é presidente da Associação Paulista de Empresas de Consultoria e Serviços em Saneamento e Meio Ambiente (Apecs), engenheiro pela Escola de Engenharia de São Carlos, da USP; e doutor em engenharia hidráulica e sanitária pela Escola Politécnica, da USP