José Renato Nalini
Incomoda-me, às vezes, o tom ácido da crítica literária endereçada a escritores que ousam publicar, às vezes custeando a edição de suas obras. Reconheço que há regras inflexíveis do vernáculo castiço, com as quais não se pode transigir. Mas o escrever é algo personalíssimo. Alguns caem ao gosto do leitor e se tornam fenômenos de vendas. Outros não. Existem os herméticos, os obscuros, os nebulosos, os simplórios. Há um universo todo à disposição de quem se propõe escrever. Acredito que cada qual oferece o seu melhor. Nunca vi alguém afirmar: “Caprichei neste mau livro! Quero castigar quem se dispuser a lê-lo!”.
Questão de gosto, de preferência e de estilo. Os primeiros livros de Saramago, confesso, causavam certo estranhamento. Verbetes em sequência infindável, sem ponto, sem vírgula, sem pausa para respirar. E no entanto, ele continuou a produzir e foi Nobel de Literatura.
O crítico é um profissional que deveria incentivar o leitor e o escritor. Estimulando a ambos. Um a ler e a ler cada vez mais. O outro, a prosseguir na escrita, até disposto a atender aos conselhos da crítica inteligente e não destrutiva. Mas há críticos que se deleitam ao demolir as frágeis estruturas de quem arrostou a selva trágica da literatura. Não deixem palavra sobre palavra. São inclementes. Sufocam qualquer gérmen de vocação para a escrita.
Abusam do pedantismo, que é a exibição não pudenda de sua erudição. Algo que também acontece nas palestras literárias, que segundo Mário de Andrade, precisariam ser “coisa leve, rápida, divertida, em que as verdades passem sorrindo, entre brincadeiras. O ouvinte de conferências literárias é uma espécie patológica que sofre de idiotia de primeiro grau”.
Já ouvi dizer que o crítico é impiedoso com o autor, porque gostaria ele de ser autor e não tem coragem. Seu exibicionismo, sua severidade excessiva, o rigor com que avalia o trabalho alheio é mero disfarce, porque desejaria escrever de forma tal, que não merecesse críticas como as suas.
Sobre esta categoria de críticos, se poderia afirmar: quem sabe escreve; quem não sabe, critica aquele que escreve.
José Renato Nalini é diretor universitário, docente de pós-graduação e secretário-geral da
Academia Paulista de Letras