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Você é o seu melhor psiquiatra

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Marco Antônio Spinelli

Estava guiando numa manhã de domingo quando vi um casal correndo nas ruas ainda frescas do começo do dia. Eles estavam razoavelmente acima do peso, sobretudo a senhora, que se movia com grande esforço e dificuldade. Mal conseguia levantar os joelhos na corrida, mas progredia com coragem até a avenida. Tive vontade de parar e aplaudir. Gritar palavras de incentivo. Fazer os dois se sentirem na reta final da São Silvestre. Prossegui o meu caminho, aplaudindo mentalmente o casal e desejando que eles não desanimem.
Nas últimas semanas, tive uma experiência nova e algo assustadora, onde um corte de uma entrevista que eu fiz viralizou de maneira bastante inesperada para o staff do podcast e para mim, então, nem se fala. A frase que marcou esse corte foi uma que eu falo para meus clientes, no dia a dia: “O melhor psiquiatra que tem é a academia”. Os entrevistadores concordaram, e eu expliquei: o exercício físico não só contribui para o aumento da produção de substâncias importantes para reverter, por exemplo, uma depressão ou um Burnout, como também libera substâncias chamadas Miocinas, que estimulam o crescimento de novas conexões nas redes neurais desgastadas pelas doenças. A analogia que eu usei foi: “O neurônio que estava careca fica de novo cabeludo”.
Tenho a impressão que a frase de efeito circulou por circuitos de fitness e marombeiros em geral nas redes sociais. Pacientes receberam esse corte de familiares e personal trainers. Um rapaz repostou no seu Instagram e lá se foram mais alguns milhões de likes e views. Teve gente também criticando e xingando, dizendo que eu estava sendo simplista e desvalorizando o trabalho do médico psiquiatra. Espera aí, pessoal, eu sou um médico psiquiatra. Na entrevista, em sua íntegra, conversamos sobre a importância do tratamento medicamentoso, da psicoterapia (sou psicoterapeuta também), dos cuidados com o sono, os exercícios físicos e a meditação. Minha imagem circula sem necessariamente as pessoas saberem do contexto. Provavelmente, estou muito popular entre a turma da maromba e pouco popular entre meus colegas psiquiatras. Como quem entra na chuva é para se molhar, fico mais feliz do que triste com toda essa repercussão e o corte ter sido veiculado para tanta gente. Falaram em vinte milhões de reproduções. Ninguém tentou me contratar como personal trainer, mas espero que a frase ajude esses profissionais no difícil trabalho de criar o hábito dos exercícios físicos.
Exercícios físicos são preditores estabelecidos de longevidade. A falta de exercícios físicos regulares é um fator de redução de expectativa de vida de magnitude próxima ao diabetes, obesidade, nicotina e hipertensão arterial, até porque a falta de atividade física contribui para todas doenças e muitas outras, como as doenças atendidas todos os dias no meu consultório e de outros colegas.
Uma música antiga de Beto Guedes tinha um belo verso: “A lição sabemos de cor/Só nos resta aprender”. Sabemos muitas lições de cor, como a necessidade de uma alimentação mais saudável, a necessidade de cuidar de nosso sono e do manejo do estresse, todos esses pilares da saúde mental e da longevidade da população. O que nos impede de aprender, então, a lição que sabemos de cor?
A modificação de comportamento é um sistema de aprendizado. Deve ser feito gradualmente, como todo processo de aprendizagem. Se nas suas resoluções de fim de ano estiverem incluídos itens como: vou perder peso, vou me exercitar, vou parar de ficar rolando a tela do celular nas redes sociais antes de dormir, vou diminuir a bebida e o consumo de comida lixo, bem, você já deve ter notado que a chance de conseguir cumprir essas resoluções não é muito alta, não. Aí, o dileto leitor ou leitora, põe a mão na barriga e suspira: “Sabe o que é, não tenho força de vontade”.
Quem é o melhor psiquiatra? O melhor psiquiatra é você. Não é a academia. E você pode se tornar melhor psiquiatra de si mesmo se começar a organizar mudanças de hábitos pontualmente. Não tente começar na academia, fazer dieta e organizar seus horários tudo de uma vez. Não vai funcionar. Faça ajustes na sua rotina que você possa manter e aprofundar. Durma e acorde nos mesmos horários. Ao acordar, abra a janela e deixe a luz do dia incidir sobre seus olhos. O melhor hábito de se criar é o hábito de estar atento a você e seu corpo. Vivemos uma vida muito mental, com sobrecarga de estímulos, e uma distância cada vez maior do corpo e de sua necessidade de repouso e nutrição. Uma outra frase destacada no corte que viralizou foi: “Cuidar da sua fragilidade é o melhor jeito de ser forte”. Pena que não foi essa que bombou nas redes.
Cuide de seu corpo e proteja suas fragilidades. Isso vai melhorar a sua vida e saúde mental.

Marco Antônio Spinelli é médico, com mestrado em psiquiatria pela Universidade de São Paulo, psicoterapeuta de orientação younguiano e autor do livro ‘Stress: o coelho de Alice tem sempre muita pressa’

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