Humberto Pinho da Silva
O avô de minha mulher chegou ao Brasil no início do século XX.
Era jovem e cheio de ambições. Estreara-se no jornalismo, em Portugal, num jornalzinho de bairro: “O Garnisé”.
Como o primo fosse editor de semanário de inspiração monarquista, passou a colaborar nele, mantendo coluna, que assinava com o pseudónimo de Urbano.
A razão de não usar seu nome nas crônicas é simples de explicar: o jornal pertencia a movimento monárquico e ele era republicano, de sete costados.
Seria? Creio que era apenas um jovem apaixonado pelas “Letras”; o que queria era escrever…
Empregou-se, no Brasil, no escritório de fábrica de produto alimentício.
Como colaboradora, tinha a filha do proprietário. Uma jovem bonita e simples. A idade; o convívio; o fato das mães de ambos terem sido amigas, na infância, tornaram-se íntimos.
Dessa amizade, resultou o casamento.
Numa das minhas estadias a São Paulo – em véspera de Natal – encontrei-o no jardim da sua bela casa de Alto de Pinheiros, junto ao canteiro dos junquilhos. Seus cabelos brancos lampejavam, batidos pelo sol morno da manhã.
Conversamos sobre a economia do seu querido Portugal.
De repente, encarando-me com os seus belos olhos verdes – verdes como formosas esmeraldas – encrustados no rosto moreno, queimado pelo sol, disse-me que ia revelar-me um segredo que há muito vivia com ele; quiçá, pensando na minha condição de rapaz pobre: – “Sabe por que deixei de passar a Noite de Consoada com meus cunhados?”
Aguardei a resposta. Certamente não esperava que lha desse: – “No início de casado – continuou caminhando pelo jardim, parando junto à porta da garagem – todos os irmãos reuniam-se na noite de Natal. Era uma bonita festa! Ceávamos; conversávamos…e noite velha, chegava o Pai Natal, com saco repleto de presentes para as crianças”.
Neste momento fez uma pausa. Silêncio prolongado.
“Tudo corria bem…até que certa vez minha filha mais velha interrogou-me muito agastada: “Não é justo! Papai Noel dá-me sempre roupinha, enquanto minhas primas recebem bicicletas!”.
Novo silêncio, ainda mais prolongado.
“Os meus cunhados tinham posses. Podiam distribuir prendas caras… fiquei tão triste que resolvi, desde então, consoar só, com meus filhos e a Júlia…”
Neste momento a voz embargou-se e uma lágrima envergonhada aflorou, deslizando suavemente pela face envelhecida.
Compreendi e pensei: quantos irmãos se separam por essa e outras razões, como tais?
Como é difícil, para quem vive folgadamente, entender as dificuldades dos outros!
Quantas vezes humilhamos o próximo sem o saber?
Assim se vão afastando os irmãos… os primos…os parentes…
Humberto Pinho da Silva é editor responsável pelo blogue luso-brasileiro “Paz”