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Quarenta mil emendas do balcão político brasileiro

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Tenente Dirceu Cardoso Gonçalves

Existem 40 mil emendas parlamentares – dinheiro que o governo libera a pedido de senadores e deputados para as localidades onde estes fazem política – sob suspeita e investigação no âmbito do Supremo Tribunal Federal. Além do problema que cada procedimento dessa ordem pode apresentar, encontramos, com destaque, o estremecimento da relação entre Legislativo, Executivo e Judiciário, os três Poderes da União. O primeiro pelo suposto recebimento irregular dos recursos, o segundo por fazer os pagamentos problemáticos e o terceiro apurando a questão.
A emenda parlamentar é o resultado do relacionamento interesseiro desenvolvido desde a redemocratização, ocorrida em 1985, ano em que os militares devolveram o poder aos civis, muitos deles anistiados e voltando do exílio. Por não disporem de bancada majoritária, os sucessivos governantes do Brasil novamente democrático (ou redemocratizado) utilizaram o recurso de investir verbas públicas nas regiões de atuação dos parlamentares para, com isso, conquistar seus votos nos projetos submetidos ao Congresso Nacional (Senado e Câmara). Segundo observadores políticos de então, era a “compra” do voto legislativo. Todos os governantes do período usaram o expediente e os parlamentares conseguiram regulamentar as ditas emendas parlamentares, tornando parte delas impositivas, sem necessidade de depender da anuência do Executivo. A relação torna-se cada dia mais complicada, pois com essa montanha de dinheiro envolvida, o processo governativo torna-se um negócio em vez de negociação entre as partes.
Não chega a ser ilegal o parlamentar lutar para a conquista de recursos e obras públicas para sua base eleitoral. Mas existem muitas denúncias de desvios e outras irregularidades, estas capituladas no Código Penal e outros instrumentos punitivos da legislação pátria. Governantes e parlamentares acabam com a imagem depreciada perante o eleitorado, que não concorda com o expediente de convencimento remunerado. O ideal seria que o senador ou deputado se limitasse a usar o seu peso político para conseguir os empreendimentos governamentais, sem negociar sua posição política conforme determinam os manuais de procedimento entre os poderes.
O procedimento político-administrativo desenvolvido a partir da Nova República conduziu nosso país ao atual estado de coisas. Políticos minoritários que não concordam em perder votações em suas casas legislativas recorrem à judicialização das matérias (e com isso trazem o Judiciário para dentro da cena político-legislativa) e os segmentos fechados com o governo beneficiam-se com as emendas parlamentares que, legais ou ilegais, têm má imagem junto ao povo a partir do principio de que os parlamentares são representantes do eleitorado e não devem “vender” seus votos ao governantes de plantão. O quadro tornou-se crítico e hoje a política nacional sofre diante da relação entre suas diferentes correntes e segmentos. Há, no Parlamento, o incômodo provocado pelas emendas e o reposicionamento dos membros, mas a força do dinheiro acaba sobrepujando os interesses.
Não sabemos que rumo tomarão as investigações relativas às 40 mil emendas parlamentares problemáticas. Mas não é difícil considerar que, qualquer que seja a providência, vai causar desconforto e crises. E, por conta desse “combustível”  que garante votos, a maioria das matérias fica emperrada nos corredores do Legislativo, sem evoluir e nem irem para o arquivo. Assim já ocorreu com as reformas trabalhista, econômica e fiscal que pouco têm avançado e, com isso, não se implementam e nem mudam a vida nacional. Agora estamos entrando no ano das eleições gerais (2026), onde todos os parlamentares estarão empenhados na tentativa de reeleição; o mesmo ocorrerá com o presidente da República e os governadores da maioria dos estados e toda a classe política só pensa na melhor composição para o próximo dia 6 de outubro, quando o eleitorado comparecerá às urnas. Temos algumas matérias importante em andamento – a anistia aos envolvidos nos acontecimentos de 8 de janeiro de 2023 e o contencioso do ex-presidente Jair Bolsonaro, acusado pelo Judiciário de ter tentado o golpe de Estado – mas nem essas questões são garantidas dentro da imensa colcha de retalhos político-ideológicos em que foi convertido o Legislativo brasileiro. Oremos na esperança de que o próximo Congresso seja mais resolutivo e menos afeito às emendas parlamentares.
Por mais honesta que seja, a emenda parlamentar apresenta vício de origem. Dá a impressão de que o recebedor foi comprado (e não cumpre seu dever para com o eleitorado). Por essa razão e outras do gênero, a emenda parlamentar precisa ser extinta. Quem recebe benesses para si ou para seus representados perde a independência e até a razão para fiscalizar as ações do governo e elaborar leis que beneficiem a comunidade. Chega de parlamentares com cara de comprometidos!

 
Tenente Dirceu Cardoso Gonçalves é dirigente da Associação de Assistência Social dos Policiais Militares de São Paulo (Aspomil)

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