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A velha e as pedrinhas do baú

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Humberto Pinho da Silva

Havia muito e muitos anos, viúva que vivia sozinha com a filha. Um dia, estando em idade de se casar, matrimoniou-se. A mulher vendo a filha sem casa própria e o genro sem grandes posses, assentou auxiliá-los.
Chamou a filha, à parte e disse-lhe: – Eu sei que quem casa, quer casa. Tenho dinheiro arrecadado. Sou velha e poucos anos de vida irei ter. Fala ao teu marido e compra uma casinha.
A filha, metida num fole, foi logo contar a oferta materna ao homem. Este, radiante, agradeceu a rara generosidade e convidou-a para viver com eles, já que tinha doado tudo quanto tinha.
Ao verificarem a quantia recebida acharam que podiam comprar não uma casinha, mas uma quintinha, e construíram cômoda moradia. Reservaram, porém, quarto para a velha.
Decorridos poucos anos, a sogra parecia rejuvenescer. Cansados de a terem em sua companhia, pensaram metê-la num asilo.
Certa noite estavam a conversar na possibilidade, quando a velha passou no corredor. Coseu-se com a porta e ouviu a intenção dos filhos. Foi para o quarto e pensou na má sorte de ter doado tudo em vida.
Cogitando muito, lembrou-se deste estratagema: após o jantar, recolhia-se no quarto, abria a arca e começava a contar pedrinhas: “Aqui estão dois mil, mais cinco, perfaz sete mil”…e assim por diante.
A filha, estranhando o recolher antes do serão, foi escutar à porta, para se inteirar o que a mãe estava a fazer. Ouviu que esta contava “dinheiro”…
Foi entusiasmada dizer ao marido. Ambos se convenceram que a velha tinha no baú enorme fortuna.
Receosos que entregasse tudo à casa de caridade ou à igreja, pensaram que melhor era aturarem a velhinha, até morrer. Decorrido alguns anos, veio a falecer.
Depois de se terem ausentado, os que a vieram velar, os filhos foram muito lampeiros destrancar a arca, cuja chave andava sempre recatada com a velha. Ao abrirem a caixa, encontraram-na cheia de pedrinhas. Por cima havia subscrito. Abriram-no sofregamente, pensando conter o extrato bancário.
Dizia o bilhetinho:
“Não tenho dinheiro, mas deixo-vos conselho que será muito útil: não distribuam, pelos vossos filhos, os bens, antes de falecerem: é que uma vez recebidos, esquecem a sorte que tiveram”.
Muitas vezes ouvi, a idosos da família, contar a velha e relha historieta – julgo de inspiração popular – da velha e as pedrinhas no baú.
Contareco que ilustra bem a ingratidão do ser humano.

Humberto Pinho da Silva é editor do blogue luso-brasileiro “Paz”

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