Acacio Miranda
Nas últimas semanas, não foram poucas as oportunidades nas quais escrevi, e falei, sobre as incertezas quanto à realização das eleições municipais, em virtude da pandemia que nos assola.
Isso porque, com base nos preceitos do artigo 14, e seguintes, da Constituição Federal, além das determinações da Lei 9.504/97, o Tribunal Superior Eleitoral editou em dezembro do ano passado as resoluções aptas a reger o processo de escolha das autoridades municipais, especialmente a de número 23.606, que estabelece o calendário eleitoral 2020.
Conforme indicado, esta vigora desde o final de dezembro de 2019, período quando os nossos passos futuros não estavam sujeitos a um cenário nebuloso e complexo, ou seja, o Tribunal Superior Eleitoral estabeleceu todas as datas eleitorais imaginando que 2020 seria um ano normal, o que definitivamente não está acontecendo.
Em relação às datas dos principais atos, cumpre indicar: – 05 de março até 03 de abril, para o início da troca de partido pelos candidatos sem que haja risco ao mandato atual (infidelidade partidária); – 4 de abril (6 meses antes do pleito), é a data final para que os candidatos tenham domicílio eleitoral no município onde pretendam disputar as eleições; também é a data final para que estejam filiados aos partidos onde terão legenda para a disputa; – 7 de abril é a data à partir da qual os pretensos candidatos devem estar desincompatibilizados dos cargos onde sejam ordenadores de despesas ou que possam aumentar os subsídios dos servidores; 15 de maio é o início do período no quaos pré-candidatos podem começar a arrecadação de fundos para a campanha; – 30 de junho é o último dia para candidatos apresentarem programas nos canais de comunicação de massa; – 4 de julho ( 3 meses antes do pleito) é a data à partir da qual os candidatos que sejam detentores de mandato eletivo não podem nomear ou exonerar funcionários sem as devidas justificativas, realizar despesas, exceto às pré-existentes, participar de atos de publicidade institucional ou equivalente e também inaugurações públicas; – 20 de julho até 5 de agosto é o prazo para a realização das convenções para a escolha dos candidatos e formalização das coligações; – 15 de agosto é o prazo final para o registro das candidaturas; – 16 de agosto é a data à partir da qual tem início a campanha eleitoral; – 4 de outubro acontecerá o primeiro turno e; – em 25 de outubro o segundo turno, e, após os demais atos.
Importa frisar, sobre os atos indicados, que parcela deles já está superada e, em relação aos faltantes, há a pressuposição de aglomeração e a consequente exposição à riscos dos participantes.
Diante de tudo isso, inúmeras foram as discussões e as hipóteses trazidas pelos congressistas, pelos estudiosos do Direito Eleitoral e até pelos próprios ministros do TSE.
As principais foram: – unificação dos mandatos municipais, estaduais e federais e a realização de um único pleito em 2022. Esta foi defendida mais contundentemente pelos senadores em início do mandato, mas também foram objeto de proposta de emenda constitucional pelo deputado federal Aécio Neves (que, apesar de viver um certo ostracismo, ainda dispõe de força nos bastidores); – a segunda hipótese aventada foi a mais radical, e só aconteceria no caso de não ser alcançada uma solução por parte dos congressistas, razão pela qual os mandatos atuais seriam encerrados e, em virtude da sua vacância, os juízes das comarcas assumiriam temporariamente o exercício do cargo máximo municipal (em simetria ao que dispõe a Constituição Federal em relação ao Presidente do Supremo Tribunal Federal assumir a Presidência da República); – como as duas alternativas anteriores são bastante complexas e dificilmente alcançáveis, surgiu uma mais plausível e condizente com o calendário eleitoral atual, que é a instituição do voto a distância, através de aplicativo desenvolvido e controlado pelo Tribunal Superior Eleitoral.
Há alguns pontos em comum em todas as propostas, especialmente o viés radical destas e a dependência quanto à superação das formalidades para a alteração da Constituição Federal (dois turnos de votação perante os 513 deputados federais, e outros dois turnos perante os 81 senadores, além dos “pitacos” dos principais interessados: os prefeitos e os vereadores) em um momento quando os ânimos estão aflorados e qualquer discussão que não seja relacionada ao problema da saúde pública que vivemos é mal vista.
E neste momento, em que a coisa parecia tomar um rumo radical, inseguro, ou até mesmo pouco democrático, os líderes do Congresso Nacional, capitaneados pelo Presidente da Câmara dos Deputados, em uma verdadeira demonstração de senso de representatividade, chegarem a uma solução intermediária, cuja materialização ocorre através de Proposta de Emenda Constitucional apresentada pelo Senador Randolfe Rodrigues.
A referida proposta visa a alterar o artigo 115, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, “atrasando” as eleições municipais em dois meses, fazendo com o primeiro turno aconteça em 6/12/2020 e, nos municípios com mais de 200.000, o segundo turno ocorra em 20/12/2020.
Em relação a esta, algumas observações são necessárias.
Primeiro, a alteração tem como alvo uma norma de eficácia transitória, ou seja, dada a excepcionalidade das circunstâncias, não haverá alteração do capítulo do texto constitucional que dispõe sobre a periodicidade das eleições, no sentido que daqui há quatro anos, nas próximas eleições municipais, prevalecerá a regra atual ( eleições no primeiro e no último domingo de outubro).
O cuidado demonstrado pelo congresso comprova que a regra só valerá por conta da excepcionalidade, e trará segurança aos eleitores.
Um segundo aspecto diz respeito à manutenção da forma como o voto é exercido atualmente: eletrônica, porém, presencialmente.
É notório que estamos em uma fase em que quase todos têm pleno acesso a um aparelho celular e aos mais variados aplicativos, podendo, inclusive, exercer vários atos da vida civil através destes (e uma das faces da pandemia foi a proliferação desta “cultura”).
Ocorre que, como todos os demais aplicativos, o eventualmente criado pelo TSE não seria imune a riscos e fraudes, razão pela qual o sigilo do voto, e até o resultado do pleito, poderia ser afetado.
Por fim, a dificuldade operacional da proposta está na data do segundo turno, uma vez que a apuração, os eventuais recursos, a proclamação do resultado e a transição estariam afetados pelo exíguo prazo entre o pleito e a posse (cerca de dez dias intermeados pelos feriados de Natal e Ano Novo).
Obviamente, esta espaço temporal exíguo pode reverberar algumas incertezas, porém, nenhuma seria maior que as decorrentes das propostas anteriores.
Fato é que vivemos um momento difícil, e só nos resta a fé, principalmente aquela depositada nas instituições e na democracia.
Acacio Miranda da Silva Filho é especialista, professor e autor em Direito Eleitoral, Constitucional e Penal Internacional