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50 tons de depressão

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José Renato Nalini

Parece impossível, nos dias em que vivemos, permanecer incólume às vicissitudes que atormentam as criaturas em peregrinação pelo planeta.
No âmbito planetário, por sinal, ameaças de ruptura de acordos que garantem a relativa paz entre nações beligerantes. Intensificação de projetos de exploração das potencialidades nucleares, evidentemente para fins não pacíficos. Explosão do uso criminoso dos recursos naturais, com o derretimento das calotas polares, incêndios provocados ou incentivados em biomas irrecuperáveis, sob aplauso dos que negam o aquecimento global.
O drama dos refugiados evidencia que a espécie humana involuiu. Em lugar da coesão e da busca de um destino menos turbulento, nações se desligam de blocos formados para a consecução de objetivos comuns. Corrida armamentista, fundamentalismos, tendência à eleição do popularesco folclóricos em várias latitudes.
No Brasil, a continuidade da violência, de que o Rio de Janeiro é o emblemático e lamentável modelo. As milhares de mortes de jovens, o desemprego que não arrefece. A polarização das opiniões e o fortalecimento das barreiras que separam “amigos” de “inimigos”, numa visão equivocada e inibidora do diálogo.
Naquilo que concerne à esfera privada, famílias que não se entendem, filhos que não respeitam os pais, genitores que abandonam a prole à própria sorte, muito embora possam propiciar bens materiais que nunca suprirão a falta de carinho, de orientação e de companheirismo.
O ser humano sensível só pode se deprimir. Há depressão coletiva ou multitudinária, aquela sensação de mal-estar indefinido, que leva cada indivíduo a se sentir continuamente molestado. Há depressão funcional, de quem continua a trabalhar em ambiente negativo, sem o imprescindível encontro de almas abertas a um convívio cordial e, se possível, fraterno. Há depressões individuais, de múltiplas tonalidades, porque viver é enfrentar, diuturnamente, intempéries, obstáculos, falsidades, traições, maledicências e inúmeros outros desenhos que a crueldade pode escolher para se manifestar.
Nada obstante, é essencial reagir e tentar eleger ilhas de conforto, que podem ser a leitura, a meditação, o aconselhamento, a prática religiosa, o exercício físico, o isolamento ou a incansável perseguição à alma gêmea. O pior ocorre quando esta é detectada, mas a reciprocidade não ocorre ou é cortada, pois o poeta já percebera que a vida humana é uma sucessão de desencontros.

José Renato Nalini é
presidente da Academia
Paulista de Letras (2019/20)