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Há fome, porque somos burros

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José Renato Nalini

Paradoxo contemporâneo: muitos passam fome, muitos são obesos. A fome é um fenômeno real. Nas grandes cidades, é comum ver alguém a revirar cestos de resíduos, à procura de algo para comer. Mas também não é infrequente encontrar pratos com alimento aproveitável, que algum beneficiado jogou, em lugar de deixa-lo limpo.
Não é verdade afirmar que “No Brasil ninguém passa fome!”. Passa, sim. Por pobreza, por insuficiência de recursos. Mas também porque jogamos muita comida fora.
Neto de imigrante italiano, aprendi desde cedo que não se deve “ter os olhos maiores do que o estômago”. Servir-se daquilo que se consumirá. Deixar “resto de comida” no prato era falta grave. Tentei transmitir isso aos meus filhos. Com algum sucesso. Já com os netos, há interferência de outra educação e já não me intrometo.
Algo que é uma característica do brasileiro, como verificou Monteiro Lobato, é a resignação a um estágio que poderia ser corrigido se ele tivesse vontade. A casa do imigrante – italiano, japonês, sobretudo esses dois – é sempre cercada de horta, pomar, limpeza e excelente aproveitamento da terra. Nem sempre isso acontece com o brasileiro.
Quantos terrenos ociosos poderiam ser ocupados por hortas? Por que árvores frutíferas não são empregadas para a arborização das cidades? Lembro-me de que Belém, no Pará, é repleta de mangueiras. Mas não vejo esse exemplo proliferar.
Sei também que muita gente que quer ajudar a saciar a fome encontra obstáculos burocráticos. A sobra da alimentação nos restaurantes, por exemplo. A lei impõe seu descarte e impede a doação. Isso é o que eu chamo de “burrice”.
Mas é também urgente ensinar a comer. Como somos mimetistas, copiamos uma fórmula criminosa de alimentar nossas crianças: sanduíches gordurosos, que fazem delas primeiro “fofinhas”, depois alvo de bullying, porque o século 21 renegou o dístico “gordura é formosura”.
Que o digam as esqueléticas jovens consideradas padrão de beleza, verdadeiros cabides para a exposição de confecções que só as anoréxicas conseguirão usar.
Um tema que merece atenção: a recuperação das terras abandonadas. Se isso ocorresse, ninguém passaria fome no Brasil. E, quiçá, reduziríamos, drasticamente, a fome em todo o planeta.

José Renato Nalini é presidente da Academia Paulista de Letras