‘Euforia’ com início da vacinação se restringe a apenas 20 mil doses da Coronavac enviadas à região
Já amplamente divulgado no Brasil, e também até internacionalmente, a vacinação contra o novo coronavírus no país foi iniciada pelo Estado de São Paulo no domingo, 17, assim que a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) deu seu aval para aprovação em caráter emergencial dos dois imunizantes até agora registrados no país: a Coronavac, do Instituto Butantan; e a Oxford/AstraZeneca, a ser produzida pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz).
Nem bem recebeu a aprovação da Anvisa, o governador de São Paulo, João Doria (PSDB), deu início à vacinação, transformando a enfermeira Mônica Calazans, de 54 anos, no marco histórico do país em tempos de pandemia, já que foi ela a escolhida para receber a primeira dose.
A atitude de Doria, no entanto, não foi bem recebida pelo governo federal, que pretendia – e pretende – centralizar no Sistema Único de Saúde (SUS) a distribuição e a coordenação da campanha por todo o país. O ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, descreveu a atitude de Doria como um “jogo de marketing”.
No ápice das discussões entre o governante paulista e os representantes do presidente Jair Bolsonaro (sem partido), o governo federal impôs ao Butantan que todas as doses da Coronavac em seu poder fossem entregues ao Ministério da Saúde. Doria, mais uma vez, interveio, e cedeu parte das doses, reservando aquelas que julga ser a parte cabível ao Estado de São Paulo.
SEM VACINAS
No próprio domingo, o governo paulista já havia ampliado o leque de pessoas vacinadas, neste caso concordando e seguindo os parâmetros adotados pela esfera federal, de priorizar os agentes de saúde, os idosos acima de 70 anos, os indígenas e os quilombolas, as pessoas internadas em asilos e, posteriormente, as pessoas acima de 60 anos e assim por diante.
Durante toda esta semana a Secretaria de Estado da Saúde efetuou a entrega dos imunizantes aos diversos municípios de São Paulo.
Pressionado pelos demais governadores, o ministro Pazuello, que anunciava o início da campanha nacional para a quarta-feira, 20, teve de antecipá-la e, assim que recebeu as primeiras doses também já iniciou o procedimento na segunda-feira, 18.
Agora a discussão é outra: a Fiocruz, que havia encomendado 2 milhões de doses da Oxford/AstraZenica do laboratório indiano Serum não as recebeu; e o Instituto Butantan também aguarda o envio da matéria prima para fabricação da vacina por parte do laboratório chinês Sinovac, o Ingrediente Farmacêutico Ativo (IFA).
Com isso, apesar da euforia apresentada nos primeiros dias de vacinação, tudo poderá voltar ao patamar de apreensão, com os governantes impedidos de dar prosseguimento justamente por não ter o imunizante à sua disposição, como pretendiam.
20 MIL DOSES
Na região Oeste da Grande São Paulo, os sete municípios que a compõem também começaram a receber as primeiras doses da Coronavac, motivo pelo qual a euforia também tomou conta de prefeitos e autoridades ligadas à saúde.
Com número reduzido de doses recebidas, as prefeituras seguiram os protocolos e iniciaram a imunização pelos profissionais da saúde, que atuam na linha de frente de combate à pandemia.
– Em Osasco, na terça-feira, 19, foram entregues 7.920 doses e a campanha começou entre profissionais da Policlínica da Zona Norte, no Jardim Piratininga. O prefeito Rogério Lins (Pode) afirmou: “É um momento de muita emoção e esperança de dias melhores para todos os nossos profissionais da saúde e de nossa população”. Apesar disso, salientou que o município solicitou aos governos federal e estadual ao menos 216 mil doses do imunizante.
– Em Carapicuíba, a entrega também na terça-feira, 19, foi de 3.200 doses. A Secretaria de Saúde local afirma ter treinado 300 servidores para a campanha mais ampla, envolvendo a população; e que está contratando mais 100 profissionais para reforçar a equipe.
– Também na terça-feira, 19, a cidade de Barueri recebeu 3.960 doses da Coronavac; pouco, para o prefeito Rubens Furlan (PSDB), que na semana passada disse querer vacinar toda a cidade no menor espaço possível de tempo. Barueri tem 276 mil habitantes.
– A cidade de Jandira recebeu apenas 1 mil doses, suficientes apenas para dar início ao processo de vacinação. Presente aos primeiros atendimentos, o prefeito Dr. Sato (PSDB) ponderou: “não há a necessidade de vir até a vacina; a vacina chegará até as pessoas de forma organizada, de uma forma que não haja aglomeração”.
– Em Itapevi, foram entregues 2.200 doses da vacina, mas a administração municipal reforçou que, apesar de estar abastecida com os principais insumos, como seringas e agulhas, a primeira parcela do público-alvo a ser vacinada na cidade gira em torno de 8,5 mil pessoas. Para as duas doses previstas, só para esse público seriam necessárias 17 mil unidades.
– A vacinação em Santana de Parnaíba começou na manhã da quarta-feira, 20, com a cidade tendo de administrar as 1.480 doses recebidas. Dentro de seu planejamento de imunização da população, a Prefeitura parnaibana informa que abriu um canal para que o cidadão faça um pré-cadastro em seu site (www.santanadeparnaiba.sp.gov.br). A Prefeitura informou, inclusive, que o pré-cadastro tem apenas a função de evitar aglomerações nos postos de saúde, não sendo obrigatório à população.
– Em Pirapora do Bom Jesus, devido ao seu baixo número populacional (12 mil habitantes), a cidade recebeu apenas 240 doses que também já começaram a ser aplicadas. Diante do quadro, o prefeito Dany Floresti (PSD) ressaltou: “Não é o que nós esperávamos, mas é um início de grande imunização que vai seguir pelo ano todo. Temos de continuar mantendo os cuidados necessários, o uso de máscara, o distanciamento social e a higienização das mãos”.
No total contabilizado no início da semana, as sete cidades da região haviam recebido 20 mil doses, para uma população estimada em 1,9 milhão de habitantes.
Governos federal e paulista brigam pela ‘posse’ da vacina
Desde que o governador de São Paulo, João Doria (PSDB), deu início à campanha de vacinação contra o coronavírus no domingo, 17, sem a anuência do Ministério da Saúde, representantes das duas hierarquias de governo passaram a se confrontar. Não foi esse o início da contenda entre o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) e Doria que, desde o início da pandemia, em março do ano passado, vêm trocando farpas pelas mais diversas questões políticas.
Desta vez a briga começou para ver quem sairia na frente no processo de aquisição e distribuição da vacina: deu Doria; e também do início da campanha de imunização da população: também deu Doria.
Bolsonaro, por sua vez, viu seu ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, correndo atrás das iniciativas do governador paulista; e limitou-se a afirmar que “a vacina é do Brasil e não de um governador”.
Agora, ambos sem recebimento de vacinas ou insumos, correm para ver quem conseguirá primeiro receber os lotes dos países asiáticos (Índia e China) para, certamente, iniciarem outro capítulo da guerra intragovernamental.
DURANTE A SEMANA
Como nenhuma das esferas de governo quer ficar para trás nessa corrida de ganho de créditos pela vacina, ambas têm tomado iniciativas das mais variadas durante esta primeira semana de vacinação.
O governo paulista é quem mais divulga ações: além de alardear diariamente as cidades do Estado onde o processo de imunização já foi iniciado, tem adotado medidas como a criação do “Vacinômetro”, um canal de comunicação divulgado pelo próprio site do governo (https://www.saopaulo.sp.gov.br/) que permite a qualquer pessoa acompanhar em tempo real o número de vacinados no Estado.
Essa ferramenta será alimentada diretamente com as informações de outra iniciativa paulista, o “Vacivida”, plataforma digital integrada para monitorar toda a campanha de vacinação contra a Covid-19. Trata-se de um banco de dados com relatórios atualizados de doses aplicadas e a cobertura vacinal atualizada dos 645 municípios paulistas.
Outra iniciativa do governo de Doria é a criação do site “Vacina Já”, para que a população possa fazer um pré-cadastramento na campanha de vacinação e que, até a terça-feira, 19, já tinha a adesão de 1 milhão de pessoas. Diz o governo que o pré-cadastro não é um agendamento, mas visa a garantir um atendimento mais rápido nos locais de vacinação e evitar a formação de aglomerações. Santana de Parnaíba, cidade da região Oeste, adotou o mesmo mecanismo (ver matéria acima).
Já por parte do Ministério da Saúde, a divulgação mais importante desta semana foi a iniciativa de encaminhar ofício às principais entidades de saúde, pedindo que seja respeitado o Plano Nacional de Operacionalização da Vacinação Contra a Covid-19. O Ministério alertiu para a necessidade de seguir as orientações coordenadas pelo Programa Nacional de Imunizações (PNI), que prevê ciclos de vacinação de acordo com os grupos prioritários definidos em estudos populacionais.
Por isso, encaminhou ofício na terça-feira, 19, para o Conselho Nacional de Secretários Estaduais de Saúde (Conass) e Conselho Nacional de Secretários Municipais de Saúde (Conasem) aconselhando ser imprescindível que todas as unidades de saúde da Federação cumpram as diretrizes para que o país tenha vacinas suficientes para imunizar com as duas doses previstas neste primeiro ciclo da campanha e garanta uma imunização eficaz no país.
A pasta governamental admite que estados e municípios têm autonomia na distribuição das vacinas, mas entende que todos os entes federativos devem respeitar as decisões centralizadas do PNI.