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Vale a pena servir ao público?

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José Renato Nalini

O Brasil é o país da ficção. Quase tudo aqui se baseia em fantasia. O mundo do direito é pródigo em exemplos ficcionais absurdos. Por exemplo: fala-se em presunção de boa-fé. Na verdade, trabalha-se com a presunção de má-fé. O mesmo ocorre com a presunção de inocência. O “presumível” inocente já começa a responder ao processo na condição de culpado. Há julgadores para os quais serviria a eloquente ementa: “ao inocente a pena mínima”.
Assim ocorre com o infeliz que aceita função pública. Há uma generalização de desonestidade a poluir a reputação de quem se arrisca. Ainda mais em tempos de redes sociais, com proclamações contundentes proferidas sem qualquer hesitação, o clamor grandiloquente de quem sentencia, de forma irrecorrível: “não há político honesto”.
Essa tendência pôs em fuga as pessoas de bem. Aos poucos, os detratores da política passam a encontrar fundamento concreto para as suas levianas declarações. Enquanto em países civilizados a burocracia é respeitada, porque é permanente, enquanto os provisórios detentores dos cargos de mando são periodicamente renováveis, aqui todos são lançados ao lodo da suspeição.
Isso não é novo. Alguns brasileiros que precisariam ser redescobertos já sofriam dessa perseguição. Um deles é o Visconde de Cairu, José da Silva Lisboa, nascido em Salvador em 1756. Um dos oitocentos brasileiros que se formaram em Coimbra durante os trezentos anos de Colônia. Enquanto isso, as colônias espanholas possuíam Universidades em Lima e na cidade do México desde o século XVI e nelas mais de 150 mil obtiveram diploma de nível superior no mesmo período.
Cairu encontrou resistências, assim como a luz do vagalume incomoda o sapo. Foi vítima da inveja, da incompetência e da mediocridade. Sabia disso. Tanto que dizia: “Quem bem serve o público expõe-se ao juízo temerário, às calúnias e às invectivas dos maus e dos néscios, mas quem tem a consciência da própria integridade, consola-se com o desempenho do seu dever”.
Tudo continua assim no Brasil de 2020, só que agora há um gafanhoto faminto de devorar reputações: as redes sociais. Salve-se quem puder!

José Renato Nalini é presidente da Academia Paulista de Letras (2019-2020)