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Brasil ainda não sabe lidar com o ‘lixo’, após uma década de Política Nacional

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Dirceu D’Alkmin Telles

Em um país que demora a enfrentar debates polêmicos, de grande impacto para a sociedade, dificilmente a busca por soluções para os resíduos sólidos, erroneamente chamado de lixo, ganha destaque e a devida atenção. A gravidade do problema já é reconhecida, sendo inclusive objeto central da Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS), implementada em 2010, a fim de fortalecer a gestão integrada desse tipo de material e reduzir seus impactos na saúde pública e no meio ambiente. Um avanço, porém, muito aquém do necessário.
Seus resultados ainda estão longe do mínimo ideal para qualquer nação que tenha o bem-estar da população como primordial para o seu desenvolvimento.  Em aproximadamente uma década, o Brasil passou de 66,7 milhões de toneladas de resíduos sólidos gerados por ano, em 2010, para 79,1 milhões em 2019, segundo a Associação Brasileira das Empresas de Limpeza Pública e Resíduos Especiais (Abrelpe). O crescimento, desde a implantação da PNRS, foi de mais de 12 milhões.
Além disso, o país é, hoje, o quarto maior produtor mundial de plástico, sendo responsável, anualmente, por cerca de 12 milhões de toneladas. Desse total, 40%, ou seja 4,8 milhões de toneladas anuais, são descarregados nos “lixões”, instalados principalmente em grandes centros urbanos. Esses ambientes causam sérios problemas à saúde pública e às esferas social e urbana, pois o lixo acumulado a céu aberto atrai transmissores de doenças e contamina o subsolo e aquíferos subterrâneos.
Ao mesmo tempo, catadores que trabalham em condições degradantes e insalubres retiram dos lixões seu sustento, com a venda de materiais recicláveis encontrados. Pior ainda, famílias inteiras moram no interior dos lixões.
A discussão sobre resíduos é peculiar, uma vez que o tema costuma gerar um consenso de que as pessoas têm tanta responsabilidade no problema quanto o poder público e o privado. Mas se a conscientização plena da sociedade já é difícil por si só, a atuação dos governos brasileiros em eventos importantes reforçou a ideia de que o lixo é “só lixo”.
Em 2018, o Brasil foi um dos três países que não aderiram a um acordo pelo combate à poluição plástica proposto pela Organização das Nações Unidas (ONU), durante a 14ª Conferência das Partes. Na ocasião, representantes de 187 países integrantes da Convenção sobre Diversidade Biológica (CDB) assinaram o acordo. Além do governo brasileiro, a proposta não foi aceita pelos Estados Unidos e a Argentina.
A pergunta que fica é: quantas ações voltadas à reciclagem e destinação adequadas de lixos plásticos deixaram de ser executadas em virtude desse descaso?
E não se trata de produzir menos plástico só para preservar a vida marinha – o que já seria louvável do ponto de vista ético –, como alguns negacionistas da poluição tentam reduzir a causa. É justamente quando colocamos a questão humana no centro do debate que enxergamos a gestão responsável dos resíduos sólidos como necessária e benéfica.
Um dos poucos legados positivos da Política Nacional de Resíduos Sólidos, até o momento, é o reconhecimento dos catadores de material reciclável como fundamentais para a saúde e o bem-estar de uma cidade e do meio ambiente. Segundo o estudo “Os desafios da Reciclagem e da Logística reversa de embalagens”, feito pela Fundação Getúlio Vargas, em 2018, a lei deu força às cooperativas e associações de catadores, resultando em mais investimentos, capacitação e estruturação dos espaços destinados a esses trabalhadores.
Não é difícil para um leigo compreender que, apenas com esse exemplo, um mínimo de melhoria pode incentivar os trabalhos voltados à reciclagem, contribuindo para geração de renda a muitas famílias e para o crescimento econômico do país. E que estimular isso de forma digna, respeitando as condições de salubridade, gera retorno na saúde, com menos propagação de doenças e consequentemente menos gastos. O que impede, portanto, o público de tratar o assunto com mais atenção? Seria o fato de o lixo não dar voto?

Dirceu D’Alkmin Telles é doutor em engenharia pela USP, coordenador de Projetos e de cursos da Fundação FAT e autor do livro ‘Resíduos Sólidos: Gestão Responsável e Sustentável’