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A vacina obrigatória de São Paulo e os limites do poder de polícia do Estado

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Marilene Matos

As medidas restritivas de direitos que têm sido enunciadas por gestores estaduais e municipais durante a pandemia da Covid-19 foram objetos de inúmeros questionamentos e até mesmo taxadas por alguns como “medidas ditatoriais”.
Nesse sentido, questionou-se, dentre outras providências, a restrição à circulação de pessoas, a utilização obrigatória de máscaras, o fechamento temporário de comércios, e, por óbvio, a obrigatoriedade da vacina.
É da natureza humana não gostar de se deparar com limites na sua atuação. Não por outra razão, todo o sistema que hoje se conhece da separação de poderes estatais, pensado há vários séculos por diversos filósofos, calcou-se na necessidade de se estabelecer limites aos poderes, ante a constatação de que todo aquele que tem o poder tende a dele abusar, se não tiver mecanismos de contenção. A própria existência da vida em sociedade baseia-se na abdicação de parcela da liberdade individual, em prol da segurança que a coletividade proporciona.
Entretanto, embora pareça óbvio que a vida em sociedade pressupõe o sacrifício de parte da liberdade individual em favor do interesse coletivo, o que não é novidade em qualquer sociedade civilizada do mundo, ainda persiste uma perplexidade considerável quanto a este ponto na nossa sociedade, como se pôde constatar em vários movimentos e falas contra as medidas restritivas adotadas na pandemia.
Neste diapasão, até mesmo integrantes do Poder Legislativo se insurgiram contra as medidas de contenção à pandemia, mediante a edição proposições legislativas em sentido contrário, a exemplo do Projeto de Lei nº 5412, de 2020, que pretendeu abolir a obrigatoriedade do uso da máscara, ao argumento da necessidade de preservação dos direitos individuais, ou seja, do livre arbítrio de cada cidadão, no tocante ao uso ou não da máscara.
Agora, temos uma nova medida que tem sido objeto de críticas por, supostamente, atentar contra a liberdade individual: o Decreto 60.442, da Prefeitura de São Paulo, publicada no Diário Oficial da cidade no último dia 07/08, o qual estabelece que os funcionários de autarquias, fundações e a administração indireta devem se vacinar contra a Covid-19, sob pena de incorrer em falta grave, que poderá resultar em aplicação das sanções previstas em leis, como repreensão, suspensão e, no limite, até mesmo demissão.
O mencionado Decreto do Executivo estadual tem como suporte legal o artigo 3º da Lei Federal 13.979, de 6 de fevereiro de 2020, conhecida como “Lei da Pandemia”, que dispõe: “Art. 3º – Para enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus, poderão ser adotadas, entre outras, as seguintes medidas:
I – isolamento;
II – quarentena;
III – determinação de realização compulsória de:
(…)
d) vacinação e outras medidas profiláticas. (…)

Quanto ao tema da vacinação, importante frisar a posição do Supremo Tribunal Federal (STF), no sentido de que, embora o Estado não possa compelir fisicamente os cidadãos a tomarem a vacina, poderá impor medidas restritivas no caso de recusas injustificadas. Ou seja, a vacina é obrigatória, mas não é compulsória.
O dever cívico da vacina, em hipóteses específicas, bem longe de constituir uma novidade no nosso país e no mundo, é medida que visa a preservar a saúde coletiva. Dessa forma, o descumprimento da obrigação possibilita a restrição de direitos individuais, como, por exemplo, matrícula em creches e pré-escolas; entrada em alguns países e instituições etc.
Na órbita internacional, muito se tem falado nos últimos tempos no “passaporte da vacina”, adotado pelo governo francês, que exigirá um comprovante da vacinação como requisito para que pessoas adentrem recintos em que há aglomeração, como museus, bares e restaurantes.
Vislumbra-se, nessa toada, que a medida adotada pelo governo de São Paulo é assente no poder de polícia do Estado, que autoriza a adotar mecanismos de restrição dos interesses individuais em prol da proteção do interesse coletivo. Tal medida é também consentânea com a autorização que a própria Lei do Coronavírus previu como medida de contenção da pandemia. Portanto, não se trata de medida ditatorial que atenta de forma imotivada contra o exercício dos direitos individuais dos particulares.

Marilene Matos é advogada, presidente da Comissão de Direito Administrativo da Associação Brasileira dos Advogados (ABA) e mestre em Direito Público pelo Instituto Brasiliense de Direito Público