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Não verás país nenhum

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José Renato Nalini

“Não há tempo para cremar todos os corpos. Empilham e esperam. Os esgotos se abrem ao ar livre, descarregam, em vagonetes, na vala seca do rio”. É uma das frases iniciais do livro “Não verás país nenhum”, escrito por Ignácio de Loyola Brandão em 1981 e de uma atualidade que assombra.
Quem poderia imaginar, quarenta anos faz, que o mundo iria enfrentar uma peste que parecia tão distante após as descobertas científicas garantidoras de longevidade e saúde plena? Entretanto, o escritor, com seu faro profético, escrevia “o cheiro infeto dos mortos se mistura ao dos inseticidas impotentes e aos formóis. Acre, faz o nariz sangrar em tardes de inversão atmosférica. Atravessa as máscaras obrigatórias, resseca a boca, os olhos lacrimejam, racha a pele. Ao nível do chão, os animais morrem”.
Estamos todos mascarados e medrosos. Assistindo, impotentes, ao desmanche da estrutura gradual e lentamente construída para a tutela ambiental, já que tudo tínhamos para ser uma potência ecológica.
Hoje somos produtores de resíduos sólidos, eufemismo para disfarçar a próspera indústria do lixo. “Lixo que aumenta dia a dia. Não podemos atirar na rua, e não há onde depositar; o caminhão carrega o que pode quando passa. Se passa. Vem tão cheio que leva muito poucos. Ratos dilaceram os sacos, o lixo se esparrama, espalha um fedor insuportável. Ora, um cheiro a mais”.
Quantos anos de legislação, de logística reversa e a reciclagem ainda funciona porque é fruto da miséria. Não é consciência ambiental que move os catadores. É necessidade mesmo.
Só está faltando a “Casa dos Vidros de Água” previstos por Ignácio. O lugar onde se guardam pequenos frascos com o líquido extraído do Tietê, do Pinheiros, do Tamanduateí. Hoje, o que ali circula não se pode chamar de água. Todavia, não é improvável chegue esse dia. Continuamos a poluir e não nos damos conta de que um comportamento irresponsável é suicídio. Extinguimos a possibilidade de vida – qualquer vida – num planeta maltratado e exaurido em seus recursos naturais. Finitos e frágeis, embora agíssemos como se eles fossem infinitos.
Uma releitura de Ignácio de Loyola Brandão é bastante útil para que recobremos o que sobrou de lucidez e atuemos na defesa desse patrimônio inclemente dizimado, que é a exuberante natureza brasileira.

José Renato Nalini é reitor universitário, docente de pós-graduação e presidente da Academia Paulista de Letras