Humberto Pinho da Silva
Em: “Olhai os Lírios do Campo”, o escritor gaúcho, Érico Veríssimo, apresenta-nos a personagem Eugênio Fontes, médico, que desprezou a vida fácil de genro de homem rico para se entregar à medicina, quase como sacerdote. De médico respeitado, graças ao sogro, após o divórcio, passa a clínico da classe média e da gente pobre.
Um dia, o amigo igualmente médico, o Dr. Seixas, lhe diz: – “Você está a tornar-se importante!” Apanhado de surpresa, pergunta por quê? -“É que começam, os colegas, a dizer mal de si”, responde-lhe o Dr. Seixas.
Quando, em qualquer profissão, alguém começa a ser atacado justamente ou não, é sinal, quase sempre, que está a subir na escala social; a tornar-se conhecido. A maledicência tem raiz na inveja. Miguel Ângelo queixava-se que os males entendidos, como Papa, tinham origem em Bramonte e Rafael, devido à inveja. Já o padre Antônio Vieira dizia: “Sabeis por que vos querem mal vossos inimigos? Ordinariamente porque vêm em vós algum bem que eles quiseram ter e lhes falta. A quem não tem bens, ninguém lhe quer mal”.
Pateadas e calúnias são resultantes, quase sempre, do mesmo mal. É o caso de Anita Ekberg, que foi atacada no palco com tomates lançados pela cantora Evelyn, porque aquela abandonara a sala, enquanto cantava.
O escritor, ao ser conhecido, logo é vítima de inveja e da calúnia. Camilo, em “Noites de Lamego”, refere-se que o vulgo costuma enxovalhar por maldade o homem distinto: “A canalha urra triunfalmente a cada homem distinto que sopesa e recalca no seu esterquilino”.
Entre os intelectuais, basta alguém do seu meio ter sucesso ou ter sido premiado para os confrades e amigos espalharem boatos desagradáveis. Está nesse caso a “zanga” entre o pintor Júlio Dupré, grande amigo de Teodoro Rousseau; quando Júlio recebeu o grau de Cavalheiro da Legião de Honra, Teodoro afasta-se por inveja e ressentido.
Helena Sacadura Cabral, referindo-se à calúnia, declara ao “Diário de Notícias”: “Em Portugal há uma longa tradição de murmúrio, de inveja, de cobiça e de preguiça, também. Os valores raramente são reconhecidos e os inteligentes constituem o repasto ideal para a calúnia.” (O Dia – 09/09/02).
A calúnia costuma andar de braço dado com a inveja. Sempre que se alcança, em qualquer profissão, lugar de destaque, logo surge o boato mesquinho – “o dizem…que dizem…”
Mesmo entre figuras da ciência, a inveja, existe. É conhecida a disputa ridícula entre dois lentes de Coimbra: o Brites e o Ferrer, no final do século XIX, por antagonismo de doutrina.
Entre os intelectuais, há o costume de criar “capelinhas” por ideologias. Chianca Garcia disse ao “Século” (18/01/1959) depois do sucesso do filme “A Aldeia da Roupa Branca”, teve que ir para o Brasil porque sentia má vontade de muitos de a excluir das “capelinhas” e de contratos.
Criada a tertúlia, cria-se a “capelinha”, elogia-se mutuamente; se o neófito pretende ingressar no reduto, logo é corrido, a não ser que tenha “padrinho forte”, na “capela”.
Que o digam os que se iniciam na difícil e ingrata Arte das Letras, a dificuldade que sentem em serem acolhidos. Os próprios editores, em geral, sofrem do mesmo mal. O medo de serem destronados do pedestal que elegeram leva-os apartar todos, que podem vir a fazer-lhes sombra.
Humberto Pinho da Silva é editor do blogue luso-brasileiro “PAZ”