Vinicius Marchese
Democracias frágeis são aquelas em que não há a devida representatividade social nos espaços de poder e de decisão. Todos os anos, nessa data, nos deparamos com os mesmos dados que revelam a profundidade do abismo que separa homens e mulheres na política brasileira. Com menos de 100 anos de participação na vida política, pois só alcançaram o direito ao voto em 1934, as mulheres são mais de 52% da população, contudo, representam apenas 15% dos parlamentares no Congresso Nacional. Portanto, para fortalecer a democracia é preciso adotar ações que visem assegurar a diversidade da população em tais ambientes.
Em cálculo proporcional sobre o atual cenário, constatou-se que somente em 120 anos chegaríamos ao equilíbrio de gênero na política do país. E isso porque temos dispositivos como as cotas partidárias, que determinam que 30% das candidaturas sejam de mulheres. Além disso, ao determinar que os partidos devem repassar 30% das verbas do Fundo Eleitoral para as campanhas das candidaturas femininas, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) impactou diretamente as últimas eleições. Se em 2014, os homens concentraram 90% das receitas das candidaturas a deputado federal, em 2018, o número da proporção das receitas para as mulheres saltou de menos de 10% para cerca de 22%.
São medidas necessárias para incentivar a participação de mulheres e aumentar a representatividade no Brasil, mas não podemos parar por aí. Há muito que se refletir sobre o papel dos homens nessa jornada pela equidade de gênero, e tenho sentido que não podemos mais nos furtar a essa responsabilidade. Sabemos que a ausência das mulheres em cargos eletivos e de liderança está diretamente vinculada às suas atribuições na sociedade. São elas que, na imensa maioria das vezes, são responsáveis pelo cuidado da casa e da família, o que acaba as afastando da vida pública. Outro fator cultural é o próprio preconceito da população que não vota em mulheres por puro e simples machismo.
Então, como transformar esse ambiente para que seja acolhedor para as mulheres? Se elas levariam 120 anos para ficar em pé de igualdade com os homens na política, como solucionar essa equação e garantir que políticas públicas sejam elaboradas para corrigir essas distorções sociais? Tendo essas perguntas em mente, volto ao questionamento anterior. Qual é o papel dos homens para se conquistar a efetiva equidade de gênero?
Entendo que a nossa função é desconstruir o nosso próprio olhar, enviesado por anos e anos de uma cultura que privilegia os homens, constatada na prática em inúmeros dados sobre a representatividade das mulheres. Se nossa democracia só será fortalecida com mais participação de mulheres brancas, negras, indígenas, LGBTQIA+, os homens precisam fazer a sua parte. Para muito além de dar voz e espaço a quem não tem, também precisamos assumir um compromisso de que as nossas atitudes e ações terão um cunho de igualdade.
Não há como saber em que medida o outro está sendo impactado, e, por isso, o diálogo precisa ser uma constante ferramenta de construção.
Simone de Beauvoir afirmou que o único homem feminista é aquele que enxerga a mulher como sujeito. Nesse debate sobre se os homens podem ou não se intitular feministas, pró-feministas, ou simplesmente, aliados, não devemos nos esquecer que a gestão pública carece de pessoas comprometidas com a transformação de toda a sociedade. Ser um homem feminista, pró-feminista, ou aliado, é reivindicar uma identidade política equitativa e inclusiva e atuar incansavelmente para que a metade da população possa se ver representada e tenha seus direitos preservados. Afinal, o feminismo é sobre a igualdade entre todas as pessoas.
Vinicius Marchese é engenheiro de Telecomunicações e presidente do Conselho Regional de Engenharia e Agronomia do Estado de São Paulo (Crea-SP)