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A violência política em face da mulher e a democracia

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Maria Inês Vasconcelos

Lugar de mulher não é onde ela quiser. Esse lugar é de construção. A sub-representação das mulheres no parlamento e nos espaços de poder e decisão é um fato no Brasil. A violência em face da mulher na política é caricatura da opressão de gênero. É um desejo de que a mulher se omita ao seu próprio caráter. Vem para impor medo. Vem para calar a mulher. Às vezes até mata.
As eleições acendem a reflexão e o tempo testemunha o aumento consciente de nossas vozes. Muito embora movimentos tentem sufocar a participação da mulher na arena política, tentamos avançar, por campos minados. A violência praticada pelos homens é consciente, intencional e dolosa e por razões bastante óbvias: não medem esforços para manter os assuntos que são da mulher de fora da agenda política.  Assim, nossos assuntos são minimizados e colocados no último andar da “prateleira democrática”.
Décadas de desigualdade, exclusão cultural, segregação política e de profunda divisão nos planos econômicos, cultural e político, marcaram a vida da mulher brasileira no último século. Ela, contudo, segue reagente. Está na luta. Isso é feminismo. As mulheres esperam e trabalham para renovação moral e política no Brasil. Querem que não haja silêncio que restrinja a sua liberdade de votar e ser votada.
Contudo a violência política está em seu auge representando uma incerteza social e uma experiência na qual se desejam que certezas morais cedam à pressão masculina. Ao contrário do que se pode pensar, esses ataques não são isolados e são realizados a céu aberto, numa democracia que se intitula Estado de Direito.
Seja através de assédio moral, sexual, desqualificação de sua fala, não indicação para comissões, desvios de recurso para candidaturas masculinas, fake news, deepfakes, perseguições, crimes, inclusive os mais graves como homicídio. A democracia passa a impressão de legalizar a opressão de gênero e só reforça o patriarcado.
Os problemas enfrentados pelas mulheres nos espaços políticos são muitos.  Esse repertório fornece bons motivos para repensarmos essa atitude de supremo desdém para com a mulher brasileira. A Lei 14192/21 é um grande avanço. Hoje é crime assediar, constranger, humilhar, perseguir ou ameaçar candidata a cargo eletivo ou detentora de mandato eletivo e que estabelece normas para prevenir, reprimir e combater a violência política contra a mulher durante as eleições e no exercício de direitos políticos e de funções públicas.
Que o homem é, ao mesmo tempo, juiz e parte, já sabemos. Mas nem por isso podemos emprestar a própria aventura desses homens que coadunam com a violência, ares de qualquer legalidade.
Mas há muito para ser feito, os homens estão além da lei, e a cultura brasileira não é muito fã da mulher na política. Como uma forma de viabilizar a participação feminina nos espaços de poder, tentado atenuar a tradição machista que insiste em excluir a mulher, e punição para a violência, podemos dizer que essa lei é mais um “enhancement” cognitivo. Ela visa estimular a inclusão da mulher, mas o preconceito está na raiz.
No fundo, a confiança masculina narcisista de que a mulher não é capaz de representar outras mulheres e até outros homens, desafia a própria democracia.
Uma democracia verdadeira deveria facilitar os encontros políticos. Respeitar as diferenças existentes na sociedade e acolher o gênero. Mas a democracia brasileira adora os tempos perigosos. O perigo é visível na crescente xenofobia e no apoio às figuras autocráticas que flertam com os pilares democráticos.
A mulher segue sua sina. É perseverante. Resiliente. Grita. Quer manter-se em sua condição social. Quer ser cidadã. A arena política brasileira precisa das mulheres, há temas que precisam ser enfrentados com mais intensidade pela mulher, como o racismo, o aborto, o trabalho doméstico, a própria violência da mulher, a questão da proteção à maternidade e o trabalho.
O raciocínio é claro: a voz da mulher é algo que é valioso para a própria mulher, que sabe melhor do que ninguém os riscos vorazes aos seus direitos. Qualquer discussão aqui é mero pedantismo. O Brasil é uma democracia, a violência em face da mulher só pode ser vista com arrepios, antecipando arrepios maiores que tem um porvir.  Não cabe aqui nada mais do que um fio de elegantes reticências. Quem matou Mariele…  mulher tem os mesmos direitos políticos que os homens… mulheres podem votar e ser votadas … mulheres existem…mulheres persistem…

Maria Inês Vasconcelos é advogada, pesquisadora, professora universitária e escritora