José Renato Nalini
Que país o nosso! Os trinta e três milhões de famintos não incomodam o cenário dos horrores que é Brasília. Assim como os milhões de desprovidos de saúde, educação e moradia. Ou as milhões de árvores queimadas, exterminadas e substituídas por desertos. O que teria acontecido com a alma nacional?
Em Minas Gerais, na cidade de Santa Luzia, Região Metropolitana de Belo Horizonte, o menino Miguel, de onze anos, ligou para a Polícia Militar, dizendo que em sua casa não havia nada para comer. Casa unifamiliar, gerida por Celia Arquimino Barros, que tem seis filhos pequenos.
A mãe está desempregada há cinco anos. Trabalhava como bombeiro civil e segurança em eventos. É dependente do Bolsa Família, ora rebatizada. O pedido de socorro do Miguel gerou resposta imediata. Os policiais levaram uma cesta básica e a repercussão do caso fez com que uma rede de solidariedade se formasse. Hoje parece que a família terá com que se alimentar durante alguns meses.
Esse é um caso apenas. Quantas outras tragédias não estão ocorrendo neste momento, sem que um telefonema para a Polícia Militar resolva uma situação de miserabilidade crônica?
Em lugar de ligar para a Polícia Militar, que é um órgão realmente prestante, está na linha de frente da miséria tupiniquim, as crianças deveriam ligar para os deputados federais. Perguntar a eles se em vez do orçamento secreto, prática inconstitucional e de licitude ao menos discutível, embora de imoralidade flagrante, eles não poderiam resolver o problema da fome no país.
O dinheiro de orçamentos secretos – veja-se a incongruência: dinheiro do povo sem transparência, o público travestindo-se de sigiloso – e de Fundões – Partidário e Eleitoral – seria suficiente para uma política estatal consistente, que tirasse a fome do mapa. O “celeiro do mundo”, deixando morrer de fome seus filhos! O agronegócio a alimentar gado estrangeiro e a mandar carne para o exterior, enquanto trinta e três milhões de brasileiros sofrem os horrores da fome e outros milhões padecem de insegurança alimentar!
Nem o pior dos pesadelos da ficção literária poderia prever o estágio em que nos chafurdamos nestes tempos horríveis.
José Renato Nalini é reitor universitário, docente de pós-graduação e presidente da Academia Paulista de Letras