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O intelectual tem que ser solitário?

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Humberto Pinho da Silva

Disse escritor argentino, cujo nome varreu-se completamente – a idade não perdoa: “Que de longe tudo parece pequeno, menos o intelectual”.
Na verdade, a excessiva familiaridade diminui o escritor, articulista, poeta ou o professor.
Já São Tomás recomendava o apartamento do seu público. O próprio cônjuge e filhos, apesar de se orgulharem do sucesso, devido ao frequente convivo e conhecerem perfeitamente hábitos, costumes e até vícios, raras vezes lhe dão o devido valor, chegando a considerá-lo lunático.
Casos há, em que se desinteressam, considerando-o excêntrico e solitário.
Muitos nunca lhe deram o devido valor, nem o escutaram com atenção.
Em entrevista ao semanário “Sete”, a grande fadista Amália Rodrigues declarou ao perguntarem: – “Costuma ler com frequência?
-”Eu? Já nem leio. Houve uma altura em que eu acreditava que as pessoas que escreviam aquilo que eu lia eram realmente pessoas maravilhosas. Depois, conheci essas pessoas. E tive muitas desilusões. Agora já quase nem leio. Tive uma temporada em que, para adormecer, lia histórias de cow-boys (num aparte: não escreva isso, que é uma vergonha, mas não tenho vergonha nenhuma…). Agora, já nem isso. Tenho outra “chucha” para adormecer: ouço cassetes, chega ao fim e volto ao princípio. Mas leio pouco, infelizmente, porque gostava de ler. Mas por um lado é bom, porque me evita esse desencanto de que lhe falei; se calhar, é melhor assim” (“Sete” 1/11/83).
Foi o desencanto que Clarissa sentiu ao conhecer o poeta Paulo Madrigal. – “Música ao Longe”, de Érico Veríssimo.
É o desencanto de todos nós, após conhecer o artista plástico, o escritor ou o jornalista da moda. O escritor, o intelectual, tem que ser um mito para o leitor ou aluno, como se vivesse permanentemente no Olímpo, acompanhado de corte, que sem cessar proclamem na tv, rádio, imprensa e redes sociais: – “É grande! É mestre! É Mestre entre os Mestres!…”.
Então o zé-povinho, extasiado, repete entusiasmado: – “Sim, a prosa, os quadros, são magníficos, perfeitos, divinais!”.
Mesmo que não goste, não aprecie e jamais terá coragem de discordar ou de criticar em público, porque não quer passar por néscio.
É a velha e revelha história do Rei Vai Nu.

Humberto Pinho da Silva é responsável pelo blogue luso-brasileiro “Luz”