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Uma bela lição de Voltaire

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Humberto Pinho da Silva

Li numa antiga gramática de Claude Augé essa curiosa história, que é excelente lição para todos os preguiçosos.
Voltaire tinha sido convidado para almoçar em casa de amigo, em dia chuvoso. Ao vestir-se verificou que os sapatos estavam sujos e enlameados.
Desgostoso, encrespou-se asperamente com o criado encarregado de limpá-los, que respondeu muito ligeiro: – “Limpar! Para quê?! Com o tempo que está, logo ficam cheios de lama! Vossa Mercê logo vê que não vale a pena!”.
Voltaire concordou e saiu com os sapatos sujos até à fivela.
Já ia o amo na rua, muito açodado, quando assume à janela o criado aflito, fazendo grandes gestos: – “Ó, Senhor Voltaire! Ó, Senhor Voltaire! Vossa Mercê esqueceu-se de me deixar a chave da dispensa. Eu não tenho na cozinha o suficiente para confeccionar o meu almoço!”.
Então, o autor de “Cândido”, com sorriso escarninho que lhe era peculiar e, usando as mesmíssimas palavras do criado madraço, ripostou todo lesto: “A chave! A chave da dispensa para quê?! Com o decorrer das horas, logo voltas a ter fome!.Deves ver que não vale a pena!”.
E assim Voltaire, seguindo calmamente seu caminho, deixou o criado embasbacado.
Deste modo o filósofo deu ao seu serviçal bela lição; não só ao criado, mas a todos os que, por preguiça, deixam de cumprir suas obrigações, argumentando que em curto espaço de tempo tudo fica emporcalhado, obrigando a novo trabalho.

Humberto Pinho da Silva é editor responsável pelo blogue luso-brasileiro “Paz”