Início Opinião Aprenda a gerir como uma mulher

Aprenda a gerir como uma mulher

144
0

Marcia Esteves Agostinho

Não só a reforma da lei, mas também das instalações permitiu a entrada das mulheres no ensino Superior ainda nos tempos do Império. A Reforma do Ensino de 1879 reconhecia o direito das mulheres de se inscreverem em cursos superiores, mas cabia às instituições fazer as adaptações necessárias para recebê-las, inclusive garantindo banheiros e lugares separados nas aulas.
100 anos depois, a presença feminina nas universidades se tornaria cada vez mais comum, com as oportunidades de trabalho se expandindo além do magistério, da enfermagem e do secretariado.
Em 1980, as mulheres já eram responsáveis por 45% dos diplomas de nível Superior. Embora ainda concentradas em atividades de pedagogia, saúde, letras e artes, elas já começavam a se aventurar pela administração e pelo direito. Logo estariam galgando postos no mundo corporativo.
Contudo, ao penetrarem nesse ambiente, que para elas era novo, muitas mimetizavam o comportamento e a aparência de seus colegas masculinos. Quem se lembra da moda das ombreiras? Combinadas com a saia lápis e o escarpim, impunham uma presença de poder e glamour.
Impactante, a imagem da “mulher empoderada” provocava emoções variadas. Admiração, medo e inveja predominavam. Raramente gerava simpatia, confiança e empatia. Daí o estereótipo da mulher executiva mandona e sem coração, como a personagem de Meryl Streep em “O Diabo Veste Prada”. Essas mulheres haviam ido muito além do modelo masculino de liderança. Haviam se tornado “poderosas chefonas”.
O custo desse tipo de empoderamento – quae reproduzia o pior do modo de gerir dos homens – foi o surgimento de uma geração de mulheres solitárias e monofocadas na carreira. E qual foi o benefício para o ambiente de trabalho? Questionável.
Hoje, 60% das pessoas com nível Superior no Brasil são mulheres. Elas, inclusive, já superaram o número de homens com diplomas em negócios, administração e direito. Enquanto isso, o mundo do trabalho se transforma. “Assédio moral” e “burnout” viraram expressões corriqueiras.
A maioria dos jovens diz não querer cargos de liderança. Grande parte deles nem estuda nem trabalha e, pior, quase 5 milhões sequer gostariam de trabalhar.
Onde foi parar o glamour do poder? Há uma percepção entre os jovens de que o salário não garante mais a independência. Da mesma forma, cargos de liderança não garantem status. Parece que flexibilidade e senso de propósito motivam mais do que título e recompensa financeira.
Temos um problema complexo aqui. Se a sociedade precisa do funcionamento das empresas e das organizações, como transformá-las em ambientes atraentes para as pessoas?
É necessária uma nova forma de gerir, em que a confiança e a autonomia superem o medo e a hierarquia. Vale notar que a palavra “gerir” tem origem no latim “gerere”, que também está na raiz de “gerar” e de “gestação”.
Essas são capacidades ancestrais femininas. Não seria o caso, nesse momento crítico, de nós – homens e mulheres – nos despirmos de nossas ombreiras e aprendermos a gerir como uma mulher?

Marcia Esteves Agostinho é doutora em Engenharia e autora do livro Gerir como um cientista (Matrix Editora)