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Escrever, para não desesperar

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José Renato Nalini

O mundo é um lugar que pode assustar bastante. Século 21, para o qual o sociólogo italiano Domenico De Masi vaticinava a “era do ócio prazeroso”, tempo de sobra para o entretenimento, continua desafiador para quem precisa subsistir e tem dependentes vinculados aos seus ganhos. Mais do que isso, é o mundo da destruição das florestas e demais biomas, a violência em todos os espaços, o preconceito matando minorias vulneráveis, o deboche ganhando espaço e a mentira mantendo a verdade praticamente sepulta.
Por isso é preciso reagir. Recobrar as esperanças, recorrendo àquilo que nos conforta. A religião é sólido apoio para o crente. Para o agnóstico, existe a meditação. Manter a serenidade, apesar dos disparates e da aparência de que o mundo perdeu a razão e não a recuperará mais. Ler é outra alternativa extraordinária para reaver otimismo. Há tanta coisa boa, que para um leitor fanático – eu sou um deles – a preocupação é a certeza de que não haverá tempo suficiente para ler tudo o que precisaria ser lido. Mais importante ainda: o que gostaria de ler.
Também é importante escrever. Contar estórias. Recobrar memórias. Não deixar que elas fujam e se embaralhem, o natural trajeto das lembranças, à medida em que envelhecemos.
Reli, recentemente, “A cor púrpura”, de Alice Walker. Ela tem minha idade. Mas uma vida bem diferente. Descende de agricultores e de escravos. Sofreu muito. Seu livro foi eternizado em filme. Ela também escreveu “Em busca dos jardins de nossas mães”, “Meridian” e o infanto-juvenil “Gente legal está em todo lugar”.
Ela tem consciência de que nossos dias são sombrios: “Descobri, em grande parte por meio da prática da meditação, que fiz quando criança sem saber o que era, uma sensação de paz, ou, talvez mais corretamente uma sensação de aceitação. Tenho trabalhado toda a minha vida consciente para nutrir aqueles que estão sofrendo ao meu redor e no mundo. Hoje, o sofrimento do mundo – pessoas deslocadas, fome, doença, falta de moradia, violência, vício – é mais do que assustador. A menos que a humanidade se uma, podemos não ser capazes de preservar nosso habitat: a Terra. É um momento terrível para todos nós, não apenas para os humanos que se consideram os mais importantes, mas para as florestas e os animais que estão desaparecendo rapidamente”.
Todos podem fazer algo contra essa tendência suicida. Escrever para manifestar irresignação, pedindo compostura do governo, exigindo responsabilidade ecológica e um olhar de comiseração para com os vulneráveis. Isso também nos ajuda a ter a consciência tranquila.

José Renato Nalini é reitor universitário, docente de pós-graduação e presidente da
Academia Paulista de Letras