José Renato Nalini
Os livros estão desaparecendo. Apesar de uma explosão de publicações, a leitura é um hábito negligenciado. As atuais gerações se entretêm com o celular e são fanáticas por redes sociais.
Uma tragédia que se deixem de ler obras clássicas, muitas delas já em domínio público, em benefício de um humor irônico, o mais das vezes sarcástico e até cruel. Zombarias, deboches, escárnio, tudo isso atrai mais do que um livro suficientemente apto a contribuir para a moldagem do caráter.
A publicação de obras superficiais, de manuais singelos, de trivialidades úteis, favorece o abandono devotado ao livro denso e substancioso. Nem por isso é de se decretar a morte do livro. Ele continua humilde e inerte à espera de que alguém venha buscá-lo e nele encontre lenitivo, distração, prazer e convites para liberar a fantasia e a imaginação.
Vidas que não podem ser olvidadas merecem livros que as eternizem. Pactuo da visão de Ernest Renan, quando escreveu sintética biografia de sua irmã Henriette: “A memória dos homens não passa de um imperceptível resquício do sulco que cada um de nós deixa no seio do infinito. Ela não é, entretanto, coisa vã. A consciência humana é a mais alta imagem reflexa que conhecemos da consciência total do universo. A estima de um só homem constitui uma parte da justiça absoluta. Deste modo, ainda que as vidas belas não tenham necessidade de outra lembrança que não a de Deus, sempre se procurou fixar-lhes a imagem”.
Que continuem a existir vocacionados que não temam retratar seus entes queridos. Ainda que pareçam vidas voltadas para a humilde tarefa de sobreviver numa rotina desprovida de singular encanto. Toda existência humana merece consagração, no texto de alguém capaz de perscrutar a riqueza contida numa existência simples, modesta, quase anônima.
Há uma centelha divina em cada ser racional. Um só exemplar da espécie humana reveste a grandiosidade ínsita às criaturas providas de livre arbítrio e capazes de escolher seus itinerários. Por mais discreta a rota percorrida pelo biografado, ela poderá mostrar a quem se interesse pela leitura, que os humanos são fontes inesgotáveis de exemplos, inesperadas surpresas, que servirão para a reavaliação de nossas próprias opções.
José Renato Nalini é diretor universitário, docente de pós-graduação e secretário-geral da Academia Paulista de Letras