José Renato Nalini
Não imagino o que seja deixar de ler. Ou não gostar de leitura. Ou conseguir viver sem ler um livro.
O livro “Escrever é muito perigoso”, da polonesa Olga Tokarczuk, é inspirador. Além de enfatizar a concepção de que é impossível cogitar de um ser humano desvinculado da natureza, pois tudo é natureza, comprova também que a leitura é essencial à saúde mental.
Quando recebeu o Nobel de Literatura em 2018, ela pronunciou belo discurso, que intitulou “O Narrador Sensível” e que incluiu no livro “Escrever é muito perigoso”. O texto enfatiza que só os seres humanos, dentre todas as demais espécies, conseguiram adquirir “a misteriosa capacidade de ler, ou seja, abandonar a realidade que lhe foi dada, embora só mental e temporariamente. A cada vez que abrimos um livro, entre o olho e a superfície de papel acontece um milagre”.
Esse milagre é vivenciado por quem não consegue deixar de ler. Sou um desses animais leitores, treinados desde a mais tenra infância, por uma amorosa educadora, empenhada em fazer o filho descortinar horizontes muito mais amplos, mais complexos e mais apaixonantes do que aquele que lhe era possível propiciar. Devo à minha mãe essa paixão pela leitura. Minha mais adorável mania e permanente ocupação.
Compreendo e assimilo bem o que Olga quer dizer com “milagre”: “Vemos sequências de letras, mas quando as percorremos com a visão, nosso cérebro as transforma em imagens, pensamentos, cheiros, vozes. Antes, é uma questão de paisagens, aromas e sons que esses signos são capazes de emanar”.
Tenho conhecido, ao longo de minha já longeva caminhada, pessoas admiráveis, lendo suas biografias e, principalmente, suas autobiografias. Pessoas que nunca poderia encontrar de verdade, porque já se foram. Mas cujo pensamento, sonhos, aspirações e angústias posso concretamente sorver, se me dedicar à leitura. Essa ferramenta milagrosa, a literatura, é capaz de nos transportar para além de quem somos, ampliar até o infinito a capacidade da imaginação, “a louca da casa”, como dizia Santo Agostinho. Esse exercício gratuito, cuja prática só depende de nós mesmos, tem o potencial de abrir as portas da percepção para experiências inacreditáveis, propiciar a façanha de nos colocar em lugares e mentes até então desconhecidos, tudo condicionado a algo de que só eu tenho as chaves: a minha vontade. Sou beneficiado, de forma incessante, por esse milagre chamado leitura.
José Renato Nalini é diretor universitário, docente de pós-graduação e secretário-geral da Academia Paulista de Letras