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Saúde, o ‘purgatório’ dos brasileiros

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Tenente Dirceu Cardoso Gonçalves

Quando criou o purgatório, em sua obra “Divina Comedia”, no século XIV, Dante Alighieri jamais poderia imaginar que relatava, com mais de 700 anos de antecedência, o quadro desolador vivido hoje por milhões de brasileiros que esperam internações e cirurgias através do SUS (Sistema Único de Saúde). Diagnosticado seu mal, o que, por conta da elevada demanda, sempre ocorre em tempo mais dilatado que o razoável, homens, mulheres adultos, crianças e idosos de todas as complexidades, passam anos de sofrimento e incertezas na fila  aguardando  vagas. A espera leva muitos ao agravamento da moléstia e, não raro, à morte. Isso num país onde a Constituição define a Saúde como “direito de todos e dever do Estado” (art. 196).
Embora a União seja legalmente obrigada a investir anualmente em Saúde o mesmo aplicado no ano anterior acrescido da variação do PIB (Produto Interno Bruto), os Estados 12% e os municípios 15% da arrecadação, a situação é ruim. O SUS – citado na propaganda oficial como o maior programa público de saúde do mundo – não traz a solução imediata ou pelo menos breve aos males do cidadão que, pela Constituição, tem direito a ela. Os hospitais não dispõem do número de vagas e de procedimentos para atender à demanda e, ainda, reclama-se do baixo valor pago pelos procedimentos médico-hospitalares. Os pacientes de problemas crônicos vivem o desconforto físico e da espera. Mas os que têm o quadro agravado, muitas vezes enfrentam dias a até semanas de dor e sofrimento até receber o atendimento indicado que, dependendo da gravidade atingida no período de espera, é ineficaz. É o sofrimento análogo ao do purgatório (lugar onde se pagam os pecados), sem a garantia de acesso ao paraíso.
O sistema de saúde pública brasileiro foi estruturado a partir dos institutos de classes profissionais iniciados há um século. O governo federal os encampou e reuniu na Previdência Social, que se dividiu em dois ramos, um para cuidar da seguridade (INSS) e outro da saúde (SUS). O SUS tem operação tripartite (União, Estados e municípios) e, no papel, é perfeito ou, pelo menos, deveria ser. Mas falta estrutura para atender à demanda. Daí a existência das filas de regulação de onde muitos não saem vivos. Em períodos eleitorais, governantes prometeram e até tentaram fazer mutirões de atendimento para reduzir o tamanho das filas de cirurgias, mas elas permanecem desafiadoras.
É preciso fazer algo para atender a grande demanda. Governos e congressistas, que hoje se empenham em reformas econômicas e políticas têm o dever de também olhar para o problema do atendimento médico-hospitalar, que consome elevadas somas e mesmo assim ainda é insuficiente. Considerar que um mal de saúde não tratado em tempo regular acaba provocando outros e levando o paciente a óbito. Justamente os de menores recursos, que não têm meios de contratar plano de saúde privado.
Governantes, autoridades, congressistas e lideranças que tanto têm agitado pelo respeito à Constituição, notadamente ao seu viés democrático, deveriam se preocupar também em fazer com que o que nela está escrito seja cumprido. Considerem que essa multidão de brasileiros que não recebe o tratamento de saúde no devido tempo e teme pelo abreviamento da vida sofre a verdadeira tortura. E tortura, além de atitude infamante, é crime em nosso país. Nossas lideranças, especialmente aquelas que um dia foram torturadas e não fazem segredo disso, precisam se mobilizar para salvar os compatriotas que hoje sofrem a tortura física da doença não tratada e a (tortura) social e estrutural, tão ou mais deletérias que a política  Quem já sofreu tortura e, podendo, nada faz para salvar o povo, corre o risco de manchar sua biografia e restar para a História, também, como torturador. Se, um dia, fizerem valer o conceito de saúde como direito de todos e dever do Estado, salvarão milhões de brasileiros que sofrem e evitarão que muitos deles tenham morte precoce.
Mais do que uma questão política, isso será uma grande obra social e de caráter humanitário. Movam-se, senhoras e senhores.

Tenente Dirceu Cardoso Gonçalves é dirigente da Associação de Assistência Social dos Policiais Militares de São Paulo (Aspomil)