Samuel Hanan
Um sentimento – que já perdura algum tempo, a propósito – toma conta de muitos brasileiros: a descrença com o seu próprio país. E há um perfil traçado para os descontentes que são homens e mulheres que não são pessimistas, mas que se mostram preocupados com a situação nacional. Em suma, os cidadãos de bem e que amam a pátria, cumprem as leis, são trabalhadores, pagam os seus impostos e contribuem para o desenvolvimento do país.
Mais que isso: são brasileiros que já não conseguem esconder seu desapontamento com a elite pensante, com a grande parte da mídia e principalmente com a classe política, atribuindo a esses segmentos da sociedade grande parte das mazelas a nível nacional.
Não faltam razões para essas pessoas se sentirem dessa forma. Uma delas é o recorrente discurso de governantes e de setores da classe dominante, com eco na grande imprensa, que lhes dedicam amplo espaço e reverberam suas ideias.
Incontáveis são as falas prontas endossadas e replicadas diversas vezes pelos lemas: estado democrático de direito, democracia, governança ambiental, constituição cidadã dentre outros que embelezam discursos pomposos porque, de fato, são fundamentais a toda e qualquer nação livre.
Contudo, tudo soa como cinismo porque o discurso não é acompanhado das ações práticas que o brasileiro espera há tanto tempo e em vão. O que se vê com frequência no Brasil é a repetição da retórica da preocupação com a população mais pobre sem a adoção de medidas efetivas para mudar essa realidade.
Ora, teorias e excessos de narrativas podem até contribuir, mas não salvam nações, não mudam o jogo, mas sim, os atos e as suas medidas efetivas. Os brasileiros anseiam por menos discursos e promessas e mais ações.
Mas, infelizmente, o que presenciamos é totalmente o contrário. Assistimos à sistemática reiteração de atos destinados aos mais ricos e poderosos, aqueles que já gozam de muitos privilégios.
O que não se vê é o efetivo enfrentamento das elites dominantes da economia nacional, sempre em defesa dos seus próprios interesses e com inesgotável apetite para os lucros fáceis, mesmo que sabidamente às custas das classes menos favorecidas.
É isso o que alimenta, há décadas, a grande máquina nacional das desigualdades sociais, perpetuando a triste situação em que poucos ganham muito e muitos ganham pouco, ou quase nada.
A Educação, pilar para o desenvolvimento de qualquer país, aqui é abordada com falta de interesse, como questão menor. Parece que basta a aplicação do percentual mínimo do Orçamento prevista na Constituição. Não é verdade. O Brasil tem baixíssimo número de alunos das últimas séries do ensino fundamental e médio em escolas de tempo integral.
A classe dos mestres sofre com a falta de prestígio e respeito por parte do governo refletida pela remuneração dos professores que é baixíssima, muito inferior à de várias outras carreiras do funcionalismo público e dos milhares de cargos comissionados nos três entes federativos. Ignora-se um fator determinante que, sem a dedicação dos professores, não é possível formar médicos, dentistas, advogados, engenheiros, economistas, nem juízes, nem promotores, nem procuradores que compõem o Judiciário e gozam de polpudas remunerações.
“Sem educação não há salvação”, alardeia antigo chavão, sempre repetido, porém jamais levado a sério no país, onde educação nunca foi, de fato, uma prioridade nem de Estado nem de governos. Endosso uma matéria publicada na imprensa e que vi há um tempo, pertencente à organização não governamental Todos pela Educação, questionou: o que falta? O país tem censo, tem avaliação, tem Enem, Ideb, mas há um descompasso entre discurso e atitude. A educação não pode mais ser considerada como uma área a mais a ser tocada pelos governos: ela é essencial para que todas as outras funcionem, inclusive para geração de empregos e crescimento.
Em vez de dar o exemplo, a classe política cria mais privilégios para si e se apressa em aprovar anistia aos partidos políticos punidos pelos tribunais em razão de irregularidades cometidas durante suas campanhas eleitorais.
Ninguém toca no manto de impunidade em que se transformou o instituto do foro privilegiado. Não se cortam despesas milionárias que custeiam o conforto e os privilégios de quem está no poder, em todas as esferas da República. A corrupção – que custa tão caro ao país – não é combatida com a efetividade que se espera, alimentando a sensação de impunidade na sociedade e o falso sentimento de que o crime compensa.
Vivemos num país onde se desenvolvem soluções de mentira para problemas reais: fome, miséria, violência, falta de saneamento, saúde precária e educação capenga e essa efígie é o berço da descrença e a principal causa da perda de entusiasmo de quem tem muito a contribuir, mas não encontra mais estímulo para isso.
O Brasil precisa de mais verdades e atitudes e menos de promessas e fantasias que ficam bonitas nos discursos, porém não mudam a realidade dos cidadãos.
Samuel Hanan é engenheiro com especialização nas áreas de macroeconomia, administração de empresas e finanças, empresário, e foi vice-governador do Amazonas (1999-2002)