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Deus cabe no pacote

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José Renato Nalini

O ateísmo passou a ser uma religião. Os que negam a existência de Deus não se satisfazem com a proclamação retumbante. Querem convencer todas as demais pessoas no mesmo sentido. São “evangelistas” da negação do “design inteligente”. Mas nem todos. Há cientistas que, embora evolucionistas, seguidores de Charles Darwin, incluem Deus ou sua ideia na explicação que oferecem sobre o Universo e a humanidade.
Um deles é Kenneth Raymond Miller, que escreveu “O Instinto Humano: como nós evoluímos para ter razão, consciência e vontade livre”, ed.Simon & Schuster.
Os darwinistas ortodoxos entendem que o ser humano é só um animal a mais. Com isso, o homem não se diferencia do macaco, mas nem de toda a escala de seres vivos animados que existem no planeta. Com isso, as noções de livre arbítrio, certo e errado, qualquer elevação espiritual seria um conjunto de ilusões embutido em nosso cérebro de primata e resultante da evolução animal.
Miller entende que os dons humanos são, efetivamente, excepcionais. Não são ilusões, detalhes ou respostas bioquímicas resultantes dos algoritmos que nos compõem, como sustenta Yuvel Nohal Harari em seus três bestsellers : Homo Deus, Sapiens e 21 Lições para o Século 21. Baseia-se em Carl Sagan (1934-1996), para quem a explicação não é sobrenatural: o homem é o pedaço do Universo que passou a compreender a si mesmo.
Miller explica: “O que é realmente notável é que uma mente feita de átomos foi capaz de descobrir o átomo; que uma criatura composta de células foi capaz de descobrir, dissecar e entender as células; que um animal produzido pela evolução conseguiu identificar esse mesmo processo”.
É nesse ponto que o jornalista Reinaldo José Lopes acredita que Miller se distancia dos darwinistas radicais, como Richard Dawkins e Sam Harris. Cuida-se de entender o que são as “propriedades emergentes”. Elas surgem da interação de elementos a elas subjacentes, mas não são apenas uma soma deles.
O instinto humano é o responsável pela natural tendência do homem proteger seus próprios filhotes, mas também responde por auxílio análogo prestado a filhotes alheios. A criatura racional pode atuar no sentido que considera certo. Isso é o que a caracteriza e a singulariza perante os demais animais.
Enfim, o homem é essa maravilha que integra um épico de quatro bilhões de anos de história da vida e continua conectado a tudo o que vive ou viveu. Tudo isso resultaria do acaso, de uma explosão, ou não haveria um direcionamento superior a permitir que esta aventura prosseguisse até que a espécie venha a destruir seu próprio habitat e ponha fim precoce a tal esplêndida experiência?

José Renato Nalini é reitor universitário, autor de “Ética Geral e Profissional” e presidente da Academia Paulista de Letras