Antonio Carlos Lopes
Certas coisas no Brasil lembram alguns clássicos do cinema. Como o Feitiço do Tempo, filme de 1993, dirigido por Harold Ramis, em que o personagem principal vive o mesmo dia repetidamente.
A diferença é que aqui o déjà-vu se dá em várias e várias histórias reais; parece interminável e não chegamos nunca ao tal do final feliz. Por decorrência, como diriam os mais jovens, fica a amarga sensação de “nada a ver com nada’, de ‘não tô entendendo!!’.
Serei mais didático, partindo de testemunho próprio… Sou professor em Clínica Médica há tempos. Especialista nessa área da Medicina, também atendo em consultório faz muitos anos. Ainda atuo no associativismo por mais de década e por aí vai.
Enfim, uma vida bem vivida, experiências acumuladas aos montes, graças a Deus.
Contudo, dia após dia, vejo desafios que são os mesmos de vinte, trinta ou mais anos atrás sem encaminhamento: absolutamente na estaca zero, sem enfrentamento real, sem uma única iniciativa concreta em busca de solução.
É o que ocorre, por exemplo, com a abertura indiscriminada de escolas de Medicina. A toda hora, inaugura-se uma. Aliás, em regra, uma pior que a outra.
A maior parte apresenta problemas recorrentes e sobejamente públicos: falta de hospital-escola, grade pedagógica inadequada, problemas no corpo docente etc.
Já nos idos de 1980, o problema da formação precária era denunciado por entidades médicas e proeminentes personalidades da saúde, assim como o consequente risco aos pacientes. Pois nada mudou. Segue como dantes em 2021.
Peguemos, agora, as intermináveis filas em hospitais, a falta de equipamentos, de insumos, de profissionais, os entraves ao acesso… Isso é notícia de hoje, certo? Certíssimo, mas também o era há mais de 50 anos.
Igualmente repetidas são as tentativas de permitir que diplomados em faculdades médicas fora do Brasil possam exercer a Medicina aqui sem comprovar capacitação em avaliação teórico-prática. Quantas e quantas vezes já vimos esse filme de horror?
Se passarmos a limpo outras áreas importantes, como moradia, educação, transporte e emprego, constataremos que a lógica do feitiço do tempo – mas sem happy end – também lhes cabe à perfeição.
Triste é que muitos parecem não aprender com experiências. Ficam com cara de não ter a menor ideia do que ocorre.
Talvez seja inocência em casos específicos. Existe, por outro lado, os que preferem não ver por interesse em perpetuar lacunas, desajustes e diferenças.
Torço – e sempre trabalhei para isso – que os vilãos sejam derrotados ao final do filme Brasil. E que o final feliz venha. Afinal, antes tarde do que nunca, prega bem o velho ditado.
Antonio Carlos Lopes é presidente da Sociedade Brasileira de Clínica Médica