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Quem usa cuida

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José Renato Nalini

É interessante para os pais jovens saberem que os filhos daqueles que trabalham no Vale do Silício não fruem dessa volúpia de uso contínuo de mobiles como aqui.
Quem conhece exatamente o que é um smartphone, não deixa seus filhos perto. Há um consenso entre os especialistas de que as vantagens das telas usadas como ferramenta de aprendizado são exageradas e que não sustentam cotejo com os riscos de viciar e atrasar o desenvolvimento da criança.
O uso contínuo das telas interfere no sono. Está associado a déficit motor e cognitivo, além de obesidade, depressão e ansiedade. Para algumas mães, proibir completamente é mais fácil do que deixar que se use um pouco. Pois quando a criança tem um pouco, insistem e querem mais.
Por isso é que a maioria dos pais especialistas não deixam que seus filhos usem smartphones. Na verdade, não entram em casa deles. Para Athena Chavarria, que foi assistente executiva no Face e hoje atua na entidade filantrópica de Mark Zuckerberg, “o diabo vive em nossos telefones e está causando um desastre em nossas crianças”. Seus filhos só tiveram acesso a celular no Ensino Médio. Mesmo assim, com restrições.
Quando indagam: “Você não fica preocupada quando não sabe onde estão seus filhos ou quando não consegue encontra-los?”, responde: “Não. Eu não preciso saber onde meus filhos estão a cada segundo do dia”.
Há gente ainda mais radical. Chris Anderson, ex-editor da Wired e hoje CEO de empresa de robótica e drones diz: “Na escala entre doces e crack, as telas estão mais perto do crack!”.
Eles são cientistas e sabem que é hipocrisia o pai dizer que consegue controlar o uso. Está além do poder dos pais. A mensagem vai diretamente aos centros de prazer do cérebro em desenvolvimento. Isso não faz parte da capacidade de compreensão dos pais comuns. O próprio Bill Gates proibiu celulares até que seus filhos chegassem à adolescência. Sua mulher Melinda Gates escreveu que gostaria de ter esperado ainda mais. Steve Jobs também não deixava seus filhos pequenos chegarem perto de iPads.
Como tudo o que se discute, não há unanimidade. Mas é uma tendência que não pode deixar de ser considerada aqui, na terra em que não há limites, em que as crianças tendem a se tornar tiranas insensíveis, consumistas e cheias de vontades. O pior, é que sempre insatisfeitas. Mal abrem um presente e já estão desinteressadas, pedindo outro. E mais outro. E mais outro.

José Renato Nalini é reitor universitário, autor de “Ética Geral e Profissional” e presidente da Academia Paulista de Letras – 2019-2020