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Que ingratidão

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Humberto Pinho da Silva

Durante o tempo que fui redator de jornal local, realizei numerosas entrevistas com figuras públicas: industriais, grandes proprietários, políticos, artistas…
Durante tais conversas, perguntei também a alguns milionários como conseguiram obter os avultados bens. Grande parte informou que, na realidade, o mérito – se havia mérito nisso – era devido aos avós, que começando do nada, com sacrifícios e privações, acumularam as enormes fortunas.
Mas, ao interrogá-los como começou a fábrica, a indústria, a casa agrícola, e o nome dos avós, a maioria respondia-me de olhos vagos: – “É uma boa pergunta! Sabe? Nunca tive o cuidado de saber. Vou tentar informar-me, para lhe dar os dados que precisa”.
Diretora de importante instituição a quem fui recolher elementos para a biografia do tio, benemérito que fez fortuna na América, e, como não tivesse descendentes, tudo deixou para criarem a fundação, olhou-me espantada, e apontando com o indicador direito o solene retrato ricamente emoldurado, pendente na parede do salão nobre, limitou-se a dizer: -“Meu tio”.
Nada mais conhecia além do retrato, mesmo sendo a responsável. Envergonhada, sorrindo, disse-me que iria investigar.
Outra senhora, sobrinha de ricaço, cujo pai herdara do irmão incomensurável fortuna, pouco conhecia desse tio, nem foto tinha. Se quis ilustrar o texto, tive que fotografar a lápide, que estava no cemitério.
Certa ocasião entrevistei figura conhecida, para publicar curta biografia do pai. Recebeu-me amavelmente no luxuoso gabinete, lamentando não poder ser-me útil, porque do pai só conhecia o nome e pouco mais.
Argumentou que, em criança, o paizinho contava curiosas peripécias ocorridas na infância, mas nunca prestara atenção. Não lhe interessava saber velharias.
Admirava-me, de início, que não soubessem curiosidades dos ascendentes (pais e avós), mas conclui estupefacto: estavam mais interessados nos bens que herdaram, que lhes permitem viver folgadamente, que nos pais e avós.
Pura ingratidão!

Humberto Pinho da Silva é responsável pelo blogue luso-brasileiro “Paz”