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‘Impávidos marotos’ ou os cromos de Natal

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Humberto Pinho da Silva

Quando era jovem, seguindo a tradição, enviava pelo correio cromos com desenhos alusivos à época natalícia. Em resposta recebia simples cartão de visita e postais com velas, anjinhos ou simplesmente o Menino acompanhado dos progenitores, com burrinho e gorda vaquinha.
Verifiquei, no correr do tempo, que as respostas escasseavam. Penei: será que os amigos e parentes não querem despender o porte da posta?
Fui reduzindo, ano a ano, o número de cartões de boas-festas. Hoje envio no máximo quatro, a idosos como eu.
Substituí os cumprimentos natalícios por mensagens do telemóvel ou celular, como dizem os brasileiros, para diferenciarem-se dos que se encontram na outra banda do Atlântico.
Hábito arreigado que ainda faço, embora cada vez menos.
Faço cada vez menos porque, a exemplo dos cartões, as respostas não aparecem.
Se o Correio cobrava a estampilha postal, as telefônicas – pelo menos em Portugal – não cobram nada pelas mensagens.
Cheguei, portanto, a concluir que não devia ser por motivos econômicos mas, sim, por desdém.
Parafraseando Camilo, direi como ele: “Impávidos marotos”.
Certa ocasião, estando a almoçar com famoso advogado e político influente confessou-me: “- Quando estava na vida ativa, e ocupava cargos de relevo, tinha amigos e numerosos conhecidos. Afastado, evaporam-se como ratos…sei que é sempre assim” – concluiu.
Envelheci, perdi amigos – Deus os levaram – e os novos, filhos deles, esqueceram as amizades paternas. Os que restam, poucos serão os que não pensem: – Está velho, não têm influência, já não nos pode ser útil.
Que refinados e “impávidos marotos!”.

Humberto Pinho da Silva é editor do blogue luso-brasileiro “Paz”