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Estado contra a cidadania

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José Renato Nalini

A ideia de Estado é o de estabelecer uma sociedade de fins gerais, em cujo âmbito possam conviver em harmonia as sociedades de fins particulares e os indivíduos. Como tal, o Estado é instrumento e não finalidade. Deve servir ao cidadão e não servir-se dele.
Essa ideia singela aos poucos foi sendo desnaturada. Talvez pela simbologia monárquica, afeiçoada a protocolos, pompas e rapapés, talvez pela generalizada falta de educação política, o Estado foi crescendo e se tornando uma estrutura tentacular, perdulária e insaciável.
O golpe republicano fez muitos brasileiros idealistas repensarem os seus ideais. Assim que instaurada, a República tupiniquim decepcionou os patriotas. Os primeiros governos não foram o que se esperava. O que dizer dos que os sucederam?
Interessante observar que esse descompasso entre o que a cidadania espera e o que o governo oferece é recorrente. Quando da Revolução Paulista de 1924, o jornalista Antônio dos Santos Figueiredo escreveu um livro para narrar o que ocorreu na capital. Lamentando o tratamento que o governo federal destinou aos líderes locais, como Macedo Soares, Júlio de Mesquita e o prefeito Firmiano Morais Pinto, escreveu: “Os governos brasileiros não concebem iniciativas que não venham com a sua chancela. Iniciativas boas mas fora dessa blindagem partidária estão eivadas de vício. Governo, na nossa pátria, não representa aceitar alvitres e concorrer para o progresso material e cultural da coletividade, atendendo às diversas correntes em que se divide a opinião; governo significa monopólio dos cargos públicos, monopólio dos negócios, monopólio de todo e qualquer cometimento. Quem tiver uma ideia e pretender realizá-la por sua conta e risco, é traidor, impatriota, desnaturado. Quem pensa, no Brasil, são só os presidentes durante o seu consulado. Outro que pense é atrevimento, um crime previsto no Código secreto dessas instituições políticas, cujos chefes ganham dos régulos africanos”.
Alguns governantes, por uma série de razões, costumavam se cercar de pessoas broncas, toscas e boçais. Ainda bem que isso não é mais assim.

José Renato Nalini é reitor universitário, docente de pós-graduação e secretário-geral da Academia Paulista de Letras