Mônica Aderaldo
Enquanto a maioria dos indivíduos desfruta a experiência de viver em um mundo baseado na inovação, na conectividade e na agilidade, pacientes com doenças raras parecem fazer parte de outro planeta. Nesse território “paralelo”, além dos desafios diários inerentes à condição que enfrentam – muitas vezes até para executarem tarefas consideradas simples, como andar e comer -, os habitantes precisam lidar com dificuldade para diagnóstico e, principalmente, com a incerteza sobre a existência de uma terapia capaz de, ao menos, frear a evolução da doença, a dificuldade para ter acesso ao medicamento e a demora para iniciar o tratamento. Tão grande quanto esses obstáculos é o tamanho dessa população: são 13 milhões de pessoas, somente no Brasil.
Ainda que o universo dos raros tenha evoluído muito nos últimos anos, com um número maior de profissionais de saúde devidamente capacitados, que conhecem e tratam essas enfermidades, com associações de pacientes dando suporte e parlamentares sensíveis à causa, buscando por mais políticas inclusivas, é inegável que as doenças raras continuam ainda precisando de mais acesso aos tratamentos. Basta olharmos para o baixo número de protocolos e de produtos incorporados no Sistema Único de Saúde (SUS), de 3 a 5% das doenças genéticas raras possuem tratamentos que barram o avanço da doença de base; mesmo assim nem todos os tratamentos são incorporados.
Isso acontece porque, mesmo que a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) seja reconhecidamente um dos melhores órgãos regulatórios do mundo para aprovação de tratamentos, ainda existem entraves burocráticos para fazer com que os tratamentos cheguem aos pacientes. A Câmara de Regulação do Mercado de Medicamentos (CMED) e a Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias (Conitec) atuam de maneira desconexa, com base em resoluções que deveriam ser revistas para a precificação de terapias e para a incorporação de medicamentos no SUS, respectivamente. Tal atraso muitas vezes desestimula a entrada de novas tecnologias que poderiam beneficiar os pacientes.
Algumas vezes os procedimentos levam anos, quando deveriam ser resolutivos em meses. O impasse dificulta a incorporação no SUS para enfermidades raras, deixando assim os pacientes desassistidos.
Considerando que a tecnologia continua evoluindo, inclusive com o desenvolvimento de terapias gênicas, fica clara a importância de rever a rota e de mudar os procedimentos, ou mesmo revê-los, para não perder de vista o universo das doenças raras, bem como suas janelas de oportunidade únicas para tratamento. Há diversas evidências que mostram os benefícios dos medicamentos inovadores para os pacientes e para o país, como o aumento da expectativa de vida dos meninos com distrofia muscular de Duchenne, que antes morriam perto dos 20 anos e, agora, com o tratamento correto, conseguem ultrapassar essa marca e serem mais proativos social e economicamente.
Temos um grande desafio, mas possível de ser solucionado com o apoio das associações de pacientes, dos profissionais de saúde, do governo e, porque não, da indústria. Trabalhando em conjunto, todos ganham.
Mônica Aderaldo é presidente da Federação das Associações de Doenças Raras do Norte, Nordeste e Centro Oeste (Fedrann)