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Bola parada no Paulistão não é exclusividade do coronavírus

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Em 119 anos, Paulistão registra outras cinco paralisações antes do surto do coronavírus

Maior competição estadual do futebol brasileiro também foi afetada por uma doença mortal,

revoltas contra governantes e até briga pela divisão da bilheteria de uma rodada dupla

Por Marcelino Lima

Desde 16 de março suspenso por conta da pandemia do coronavírus (Covid 19), o Campeonato Paulista da Série A1, o Paulistão 2020, chegaria neste final de semana à fase semifinal; os dois jogos eliminatórios, ambos apenas de ida, travados na casa da equipe de melhor campanha, estavam marcados para o domingo, 12.
Interrompido quando ainda faltavam duas rodadas para o término da fase de classificação às quartas de final e a definição dos dois clubes rebaixados, até o fechamento desta edição na quarta-feira, 8, no entanto, a maior e mais importante competição estadual do futebol brasileiro ainda não tinha data para ser retomada. A Federação Paulista de Futebol (FPF) também nada divulgara sobre critérios ou adaptações que poderão ser adotados para viabilizar a sequência do torneio caso esta decisão venha a ser tomada.
Em 119 anos de história do Campeonato Paulista, esta não é a primeira vez que os organizadores do certame precisaram paralisá-lo. Se a Covid-19 fez a bola parar, deixar os estádios vazios e o futuro de boa parte dos jogadores incerto, outra grave doença causou o interregno em 1918. O vilão, há 102, anos foi o vírus causador da mortal “Gripe Espanhola”, moléstia que infectou por volta de 500 milhões e matou pelo menos 50 milhões de pessoas ao redor do planeta, 35 mil delas brasileiras, incluindo o então presidente eleito Rodrigues Alves. O pico do surto no país durou entre outubro e dezembro, o que acabou por suspender o Campeonato Paulista por determinação do Serviço Sanitário, órgão com poderes deliberatórios que, como hoje recomenda a Organização Mundial de Saúde (OMS), queria evitar aglomerações.
Quem estava à frente da competição era a Associação Paulista de Esportes Atléticos (APEA), embrião da FPF, e que considerou cogitar o cancelamento do torneio, mas o manteve. Em dezembro, quando a epidemia já amainava, a entidade reabriu a competição promovendo somente partidas que poderiam influenciar na disputa do título, por fim levantado pelo Paulistano. No clube atuavam Friedenreich, um dos maiores craques do futebol nacional, e Benedito, que contraíra a Gripe Espanhola, mas se recuperou.
O paulistano Arthur Friedenreich, o “El Tigre” ou “Fried”, que ficou conhecido como a primeira grande estrela dos gramados do país ainda na fase amadora do esporte e que em 26 anos de atividades balançou mais as redes do que o Rei Pelé (1.329 x 1.284 gols), é personagem também da paralisação do campeonato estadual de 1932. Naquele ano, um levante que teve três meses de batalhas contra o governo do presidente Getúlio Vargas entrou para os livros de história, a Revolução Constitucionalista, após eclodir em São Paulo, no dia 9 de julho. O conflito impediu a realização do segundo turno da competição local e o Palestra Itália, hoje Palmeiras, agremiação que nas 11 das 22 rodadas inicialmente programadas apresentava 100% de aproveitamento incluindo uma goleada por 8×0 sobre o Santos, foi declarado campeão pela APEA.
Na cidade de São Paulo concentraram-se alguns esforços de guerra, com a adesão de vários times de futebol que cederam sedes como enfermarias e protagonizaram arrecadação e doação para as tropas. Cerca de três mil atletas pegaram em armas e formaram um regimento, o Batalhão Esportivo, liderado justamente por “El Tigre”. Friedenreich começou a longa trajetória pelo extinto Germânia, de São Paulo, em 1909, e pendurou as chuteiras no Flamengo, em 1935, com duas medalhas de ouro e uma de prata que ajudou a seleção canarinho a abiscoitar nas Copas América de 1919, 1922 e no Campeonato Sul-Americano de 1921, na Argentina.

RENDA DA DISCÓRDIA

Outro conflito armado, a Revolta Paulista de 1924, e duas demandas jurídicas que agitaram as edições de 1952 e 1979, silenciaram as arquibancadas e por um período de tempo não houve partidas naqueles anos. A mais recente interrupção antes da atual teve como maior pivô o Corinthians — que, por sinal, conseguiu dar a volta olímpica após terminar aquele hiato, mas já em fevereiro de 1980.
A polêmica em 1979 derivou de negociações de cotas de televisão. A FPF combinara uma rodada dupla na reta final do Paulistão e escalara o alvinegro para atuar no jogo preliminar, ante a Ponte Preta. O folclórico Vicente Matheus, presidente corintiano, entretanto, recusou-se a dividir a renda igualmente com Palmeiras, Guarani e a “Macaca” alegando que seu time levaria “torcida maior do que os três juntos” ao Morumbi e assim impedindo os mosqueteiros de deixarem os vestiários. O imbróglio chegou ao “tapetão”, onde a Ponte Preta obteve vitória por W.O., mas o campeonato parou de vez por dois meses, entre a segunda fase e as semifinais. Ironicamente, já no ano seguinte, o “Timão”, em cujo grupo despontavam – entre outros – craques Biro-Biro, Palhinha, Sócrates e Wladimir, deu o troco batendo a equipe campineira na decisão que teve três jogos no Morumbi.

Biro-Biro, Palhinha, Sócrates e Wladimir, agachados da esquerda para a direita a partir de Píter, lideraram o Corinthians campeão da conturbada edição do Paulistão de 1979
Friedenreich viveu o surto da Gripe Espanhola